Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
27 de Abril de 2007 às 12:45

Sarkozy no Eliseu

Nicolas Sarkozy é o mais que provável futuro Presidente da França. Os 31 por cento da primeira volta superaram as expectativas do candidato que secou a extrema-direita, congregou a direita e ensaia agora a sedução ao centro.

  • ...

Nicolas Sarkozy é o mais que provável futuro Presidente da França. Os 31 por cento da primeira volta superaram as expectativas do candidato que secou a extrema-direita, congregou a direita e ensaia agora a sedução ao centro.

Sarkozy conseguiu, desde logo, os votos de potenciais apoiantes de Le Pen com as suas tiradas musculadas sobre o combate à criminalidade e imigração clandestina e a promoção dos valores da identidade francesa.

A extrema-direita afundou-se e perdeu um milhão de votos, mas, aos 78 anos, Le Pen, sai de cena com10,5 por cento dos sufrágios, deixando uma herança de xenofobia que constrange desde os anos 70 a política francesa.

A votação em Sarkozy é a mais alta obtida pela direita numa primeira volta desde 1974, abarca a maioria das 22 regiões da Metrópole, com excepção da Bretanha e do Sudoeste (designadamente Pirenéus-Sul, Languedoc e Aquitânia) e conquista segmentos significativos do eleitorado operário, como em Nord Pas-de-Calais.

Se Sarkozy mantiver o tom sereno que manifestou na noite de domingo a hipótese forte de congregar o grosso dos votantes centristas que apoiaram François Bayrou, além dos três por cento dispersos pelo "soberanista" Phillipe de Villiers e o "ruralista" Frédéric Nihous, garante-lhe a vitória à segunda volta.

A expectativa de um acordo entre a União para um Movimento Popular e a União para a Democracia Francesa de Bayrou tendo em vista as eleições legislativas de Junho são outro factor de peso na caminhada do candidato da direita rumo ao Eliseu.

Os 18,5 por cento do candidato Bayrou, triplicando a votação de 2002, permitem à UDF acalentar uma palavra decisiva na formação de um governo de centro-direita, limitando o alcance de algumas das reformas mais radicais defendidas por Sarkozy, mas, enterram, também, as veleidades de se apresentar como uma formação capaz de negociar acordos à esquerda.

A esquerda exausta de votos

A socialista Ségolène Royal beneficiou, por sua vez, do voto útil que secou os comunistas, os verdes e a extrema-esquerda.

Royal, com 25, 87 por cento na primeira volta, só pode contar para 6 de Maio com o contributo de 11 por cento da ala mais radical e contestatária à sua esquerda.

As percentagens levaram alguns socialistas a tentar uma comparação com a situação de François Mitterrand na primeira volta das presidenciais de 1981. A diferença é que os 25,85 por cento conseguidos, então, por Mitterrand, contra 28 por cento para Valéry Giscard d"Estaing, ainda garantiam ao socialista margem de manobra e capacidade de crescimento eleitoral à esquerda. Ségolène, pelo contrário, só pode olhar para trás e fazer contas. Não é 1981 outra vez. Não há para somar 15,35 por cento dos comunistas de Georges Marchais, nem restam outros 8 por cento de ecologistas e esquerdas desirmanadas. Agora, a esquerda francesa esgotou os seus recursos eleitorais abaixo da fasquia dos 40 por cento.

A socialista dificilmente ganhará a maioria do eleitorado centrista e mesmo que a xenofobia do núcleo duro da extrema-direita leve as gentes de Le Pen a recusar o voto no filho de emigrantes que admira os Estados Unidos, são escassas, ainda assim, as possibilidades de Ségolène vencer. Para mais, nem sequer há voto abstencionista a ganhar já que a participação eleitoral atingiu os 85 por cento.

A campanha vai ser dura: está em formação uma frente anti-Sarkozy, uma fronda em que o homem da direita é o monarca a abater, que não poupará o rival de Royal. O seu atribulado casamento virá à baila, o carácter ríspido e brusco de Sarkozy será apresentado como um perigo para as instituições democráticas, a política do "neo-liberal" assumirá as cores de um capitalismo selvagem e brutal.

Ségolène que sempre manteve a compostura numa campanha que lhe correu muito mal por erros e incoerências de sua própria lavra arrisca-se até a ficar comprometida pela previsível virulência dos ataques a Sarkozy.

A campanha pela negativa, tout sauf Sarkozy, é caminho certo para a derrota.

E tudo o mais será esquecido

As incoerências das propostas de Sarkozy e Royal passarão para segundo plano, concentrando-se a polémica nas características pessoais dos candidatos: a falta de solidez e preparação política da socialista, o autoritarismo do antigo ministro do Interior.

Que ambos os candidatos deplorem a sobrevalorização do euro para porem em causa a independência do Banco Central Europeu, exigindo mais poderes para os governos nacionais na definição da política monetária, será questão de somenos.

A veia proteccionista de Sarkozy que o levou, como ministro das Finanças, a injectar dinheiros públicos em empresas como a Alstom ou a promover a fusão da Aventis com a Sanofi, enquanto, agora, se propõe valorizar o trabalho nacional, eliminar os impostos sobre horas extraordinárias e penalizar as empresas que optem pela deslocalização tão pouco será matéria fulcral.

Do lado de Ségolène já será mais difícil fugir às críticas que fez à lei das 35 horas do governo socialista de Lionel Jospin, introduzida em 1998 e 2000, por degradar a situação dos escalões profissionais mais baixos e, em particular, das mulheres trabalhadoras, para avançar de seguida com a ideia de uma reforma fiscal a penalizar rendimentos líquidos de 4.000 euros mensais que tradicionalmente definem as classes médias.

A candidata socialista também não ganhará votos à direita pois de nada lhe valeu ter começado por abandonar a tradicional política socialista que privilegiava acções preventivas contra a delinquência e defender um reforço das medidas repressivas, chegando a propor "enquadrar militarmente para aprendizagem de um ofício ou realização de projecto humanitário" jovens maiores de 16 anos na sequência de um primeiro acto criminoso.

Sarkozy após se ter afirmado como um ministro do Interior apostado na repressão da "canalha" criminosa dos subúrbios, na expulsão de imigrantes clandestinos, e proponente da adopção de quotas selectivas para a entrada de cidadãos extra-comunitários, terminando a defender a criação de um Ministério da Imigração e da Identidade, terá, igualmente, dificuldade em enveredar por um discurso de abrangência social.

Se Sarkozy promete garantir abrigo aos desalojados do défice de um milhão de residências de baixo custo num prazo de dois anos, Ségolène quer, por seu turno, instituir esquemas de empréstimos sem juros para aquisição de casa própria como uma das formas de obviar à crise habitacional.

Do aumento em cinco anos do salário mínimo para 1.500 euros, aventado por Ségolène, à redução em quatro por cento no prazo de dez anos do imposto sobre rendimentos, defendida por Sarkozy, os custos das propostas dos candidatos foram vagamente estimados entre os 35 mil milhões de euros (na versão mínima socialista) e 30 mil milhões de euros (pelo cálculo dos economistas da direita) num país em que a dívida pública corresponde a cerca de 70 por cento do PIB.

A questão turca, a carta social europeia de Royal ou o minimalismo de reforma institucional da União como forma de evitar um referendo, segundo Sarkozy, dificilmente se tornarão alvo de discussão pública na segunda volta.

Em suma, as ambiguidades dos projectos dos candidatos serão esquecidas e tudo somado, salvo imprevistos de maior ou uma presença calamitosa de Sarkozy no debate televisivo de 2 de Maio, a vitória do candidato da direita com os votos centristas está muito bem encaminhada.

Será o primeiro passo para outra vitória nas legislativas. A França terá um presidente e um governo de centro-direita. Então, entre muitas outras coisas, ficará enterrada de vez a quimera de um tratado constitucional para a União Europeia.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio