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27 de Agosto de 2003 às 10:36

Regresso às aulas, ao trabalho e à realidade

Descobrimos então que além de um país de pedófilos somos também um país de pirómanos. Fracos herdeiros para a gesta de Camões...

Por Luísa Bessa

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Com a primeira vaga de calor, ainda em Junho, entramos numa “silly season” antecipada. Era a ressaca da crise, do sentimento de incerteza, dos traumas que o caso da pedofilia e outros grandes processos mediáticos deixaram em todos os nós. Era preciso respirar.

Em Agosto, o país que vai de férias a banhos acordou estremunhado e em alguns casos chamuscado com a vaga de incêndios, que metódica e paulatinamente foi devastando vidas, florestas e outros bens.

Os ministros interromperam o justo descanso para acompanhar as operações no terreno, que, pelos resultados, se revelaram pouco eficazes. Descobrimos então que além de um país de pedófilos somos também um país de pirómanos. Fracos herdeiros para a gesta de Camões...

No rescaldo dos fogos e enquanto se fazem as contas aos prejuízos e se avaliam responsabilidades, regressamos momentaneamente ao bom estilo da estação.

Bem tentamos atirar os problemas para trás das costas, mas mesmo nestes dias, que se querem leves e despreocupados, os jornais (sim, a culpa é sempre deles) insistem em trazer-nos notícias inquietantes.

Como aqueles bonecos que se afixam à porta do escritório a indicar o humor do ocupante, sorrimos quando o desemprego desceu em Junho pela primeira vez desde há vários meses.

O sorriso amareleceu perante a subida em Julho do número de inscritos nos centros de emprego penalizando sobretudo os jovens com qualificações (com licenciaturas, valham elas o que valerem).

Os dados da conjuntura de Julho dão sinal de uma ligeira recuperação do clima económico, que terá de resultar do consumo privado e de algum investimento.

Mas as exportações continuam a desacelerar, em linha com a situação dos principais mercados dos produtos portugueses. Vá lá que o euro está a perder terreno contra o dólar e por aí vem algum oxigénio para os sectores mais afectados como os têxteis lar. E a Bolsa a subir, embora com liquidez reduzida. E já nem se fala do défice. Todos os sectores do consumo registaram decréscimos significativos da procura, em especial o automóvel e a construção (que também foram os que mais cresceram nos anos do “boom”).

Mas em Agosto as agências de viagem respiravam de alívio com o balanço da “saison” – “ao fim e ao cabo, as pessoas têm sempre que ir de férias” , desabafava aliviado o responsável de uma operadora, para dizer que o saldo da actividade acabou por ultrapassar as negras expectativas dos primeiros meses do ano. Setembro está a porta e é altura do regresso: às aulas, ao trabalho, à realidade.

E enquanto esperamos pelos resultados das primeiras reformas e pela continuação do “ímpeto reformador”, propomos uma descida ao país real. Se pode ser enganador olhar para a árvore e perder de vista a floresta, alturas há em que convém olhar mais para perto. Para os casos que também são notícia e bons exemplos.

A Riopele está a concluir um investimento de 22 milhões de euros na reestruturação organizacional da sua fábrica, concretizando aquilo que tem sido dito sobre o têxtil nacional: o problema não são as máquinas, mas gestão, organização e logística.

Um grupo de fabricantes de calçado vai adquirir uma rede comercial em França com 36 lojas e 40 “corners” em grandes armazéns. Passam a estar presentes no mercado controlando a marca. Uma experiência, levada a cabo com o apoio do capital de risco e do programa Dínamo, que vale a pena seguir com atenção.

As construtoras Monte & Monte e a Adriano admitem publicamente avançar para a fusão, enfrentando assim a pulverização que é um dos grandes problemas do sector em Portugal e o atávico individualismo do empresariado português. Transformar-se-ão na 10ª maior empresa do sector.

A Alberplás, que produz sacos de plástico, vai abrir uma fábrica em Ávila, em Espanha, um investimento de 10 milhões de euros. Uma árvore não faz a floresta mas, no mau estado geral, lembrar que há quem esteja no bom caminho é um tónico salutar.

O inquérito à morte de David Kelly prossegue amanhã com a audiência do primeiro-ministro, Tony Blair. Este é um caso exemplar de como não fazer: um funcionário público que fala mais do que deva; um jornalista afamado que “apimenta” ainda mais a história e a divulga tendo como base uma única fonte; uma instituição dos “media” que identifica a sua fonte, depois de morta; um governo que faz de uma questão informativa uma verdadeira batalha com a BBC que teve como primeira baixa o próprio cientista informador. Se durante semanas este assunto consumiu tais energias ao gabinete de Blair, ele próprio incluído, que tempo lhe sobrou para governar?

Luísa Bessa, subdirectora

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