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15 de Maio de 2006 às 13:59

Quotas, eficiência e democracia

A partir de agora os partidos deverão passar a incluir pelo menos um terço de mulheres nas listas para as eleições legislativas, autárquicas e europeias.

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1. Como é sabido, foi recentemente aprovado pela Assembleia da República a «Lei da Paridade», mais comummente designada por «sistema de quotas» para a representação feminina. De acordo com esta lei, a partir de agora os partidos deverão passar a incluir pelo menos um terço de mulheres nas listas para as eleições legislativas, autárquicas e europeias. Tal facto é considerado positivo pela maioria que a aprovou (PS e Bloco de Esquerda).

2. Múltiplos foram os argumentos utilizados pelos deputados e membros do Partido Socialista - bem como do Bloco de Esquerda - para justificar a sua proposta. Desde o exemplo de alguns países nórdicos e de que tal constitui um marco no aperfeiçoamento do sistema democrático, até ao imperativo constitucional decorrente do Artigo 109º - que estabelece que a lei deverá «promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo nos acessos a cargos públicos» - passando por outros mais «infantis» do tipo «abrir os partidos e a política às mulheres», de tudo se ouviu um pouco em abono do cepticismo contra a possibilidade de uma paridade, como resultado de uma evolução normal do processo democrático. Justificar-se-ia, assim, a adopção da via dirigista e legalista, enquanto forma de alcançar o objectivo final pretendido.

3. É claro que também se ouviram argumentos contra: o PSD, o CDS-PP e o PCP votaram contra as quotas. Fundamentalmente, a argumentação contraditória teve por base (1) a inconstitucionalidade da lei, (2) o facto de medidas de discriminação positiva irem contra as recomendações da União Europeia e do Tribunal de Justiça Europeu e (3) de uma maior igualdade dever assentar no mérito e não no sexo.

O que surpreende, porém, e não deixa de ser curioso, é que um Governo que se auto-proclama - e já deu algumas provas - de inovador, determinado e que não vacila na tomada das decisões conducentes à implementação das reformas de que o País carece e, assim, alcançar os níveis de modernidade e eficiência exigidos pela globalização e competitividade à escala planetária, tenha pactuado com - se não mesmo patrocinado - uma tal lei.

Com efeito, a um Governo que se pretende reformista deveria ter-se colocado a questão de saber se o recurso a quotas era em si mesmo uma via eficiente, ou sequer admissível - no sentido técnico do termo, de haver outras igualmente conducentes ao mesmo objectivo, mas envolvendo menores custos - para alcançar o fim em vista. Tal é particularmente relevante num contexto em que, havendo argumentos (de peso) contra a existência de quotas, se pretenda defender a necessidade de implementar medidas próactivas conducentes a uma democracia mais perfeita. Caso contrário, a visão determinada e inovadora do Governo poderá ser apercebida, por outros, como uma visão ineficaz e retrógrada de alcançar «velhos mitos», ou, numa visão mais moderna, de fazer política ignorando os conhecimentos provenientes de vários domínios científicos, com relevância para a formulação de medidas apropriadas ao alcançar dos fins desejados. Good policy for better politics!

4. Neste contexto, consideramos útil relembrar um resultado há muito obtido pela teoria económica, e bem conhecido dos economistas, que ensina que um sistema baseado em quotas é sempre uma solução mais ineficiente e portanto inferior, a um sistema de taxas e impostos como forma de alcançar qualquer objectivo. No caso em apreço, tal significa que uma alternativa preferível teria consistido na adopção de um sistema de taxas (ou multas), aplicável sempre que as referidas listas não contivessem um terço de candidaturas femininas em posições elegíveis. Deste modo, seria possível continuar a prosseguir o objectivo pretendido de «maior igualdade» e «aperfeiçoamento do sistema democrático», sem se incorrer na crítica de «maior igualdade à custa do mérito», por muitos (incluindo mulheres) considerado como uma afronta à dignidade feminina. Acresce que um tal sistema de penalização permitiria, ainda, diferenciar entre diversos níveis de incumprimento, o que acentuaria a natureza progressiva, desta fase de transição. Em conclusão, iguais ou melhores resultados com menores desvantagens!

5. Chegados a este ponto da argumentação é possível que o leitor se interrogue sobre a razão que leva a que os Governos continuem a recorrer a quotas, e estas continuem a existir, apesar da maior ineficiência que lhes está associada. Será que tal é explicável somente com base na ignorância dos políticos? Em alguns casos certamente. Frequentemente, porém, a explicação encontra fundamento na incapacidade (impossibilidade?) dos Governos em implementar as medidas correctivas conducentes a uma partilha mais equitativa entre quem ganha e quem perde, com a adopção das medidas correctivas necessárias. Na ausência de tais medidas, um sistema de quotas pode parecer aos decisores políticos como a «melhor» solução, minimizando (ou desprezando) assim, os custos globais de um tal sistema. Com efeito, os perdedores têm normalmente dificuldade em fazer ouvir a sua voz; ao contrário, os eventuais ganhadores, melhor organizados, tendem a constituir-se em significativos «lobbies» e a coligar-se com o poder político na defesa dos seus interesses.

No caso presente tais custos estão associados à eventual menor qualidade da representação proporcionada pela existência de quotas, comparativamente à ausência de uma tal exigência. Em contrapartida, a alternativa associada ao estabelecimento de penalizações pelo não cumprimento da paridade da representação, torna possível dotar os partidos de possibilidade de escolha, tendo em conta a valorização que fazem de custos e benefícios. Assim, no caso de um partido avaliar que a penalização associada ao não cumprimento da paridade exigida, é inferior ao benefício resultante da melhor representação assegurada pela lista proposta, poderá decidir-se pela não paridade na sua proposta.

No entanto e como resulta do anteriormente dito, as verbas resultantes do pagamento das penalizações em que os partidos incorram pelo não cumprimento da paridade não deverá ser apropriada e utilizada indiscriminadamente pelo Estado, mas repartida e afectada a fins específicos que assegurem, num contexto dinâmico, uma evolução no sentido da paridade desejada. Tal poderá ser conseguido através de medidas visando o preenchimento dos requisitos necessários à promoção ou viabilização de uma maior participação das mulheres na sociedade em geral e na vida política em particular. Inclusive, poder-se-á também utilizar parte dessas verbas para financiar os partidos, de acordo com a maior participação feminina que consigam nos escrutínios eleitorais realizados.

6. Em resumo, a solução adoptada pela Assembleia da República com vista a assegurar a existência de pelo menos um terço de mulheres, nas listas para a eleição de deputados (incluindo os europeus) e membros dos órgãos autárquicos, é manifestamente inferior - porque menos eficiente - a outras que igualmente poderiam ter sido adoptadas para atingir o resultado pretendido: maior representação feminina nos órgãos da democracia. Tal facto é sintomático de uma forma de tomar decisões e fazer política em Portugal que, frequentemente, despreza os ensinamentos de áreas científicas relevantes, sejam elas a da política, da economia ou outras. Em síntese, substitui o conhecimento pela imaginação pura, com os custos de ineficácia correspondentes. É pena que assim seja, e é possível que tal prática explique não só a menor «performance» de Portugal no contexto do desenvolvimento europeu, como também o descrédito em que genericamente caíram as instituições políticas e os políticos no nosso País.

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