Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
10 de Agosto de 2006 às 13:59

Quantos aviões vão cair em Portugal

São caras alegres, cheias de expectativa, curiosas, divertidas, as das crianças que sobem a escada do avião, tranquilamente estacionado no aeroporto.

  • ...

Entram na aeronave, exploram o avião, experimentam as cadeiras, apertam o cinto. Para depois uma voz afirmar, de forma fria, que todos os anos o equivalente a um avião cheio de crianças, cai em Portugal, em virtude dos acidentes rodoviários. Certamente que já viu o anúncio. A campanha é promovida pelo Ministério da Administração Interna com o apoio de uma empresa de combustíveis. E marca as consciências. Impressiona! Apenas porque é a pura verdade.

Portugal está em Guerra Civil

Deixe agora para trás os blocos publicitários. Espere até começarem os noticiários. E nem precisa de fazer contas. Após 22 dias de ataques israelitas contra o Líbano, um conflito iniciado com o sequestro de dois soldados daquele país pelo grupo terrorista Hizbollah, o saldo da violência alcança números alarmantes. Só no Líbano, 900 pessoas morreram (26 soldados, 43 membros do Hizbollah e mais de 800 civis), há cerca de 3.000 feridos. Como sabe é a mais mediática guerra a nível mundial, assunto de abertura de jornais televisivos em todos os dias da semana. Tema que ocupa as agendas dos principais lideres mundiais. E já agora, sabe quantos soldados norte-americanos perderam a vida no Iraque em 2005? Ligeiramente mais de 2.000!

E para quê todos estes números?! Apenas para chegar aqui. Consegue agora imaginar quantas pessoas morreram nas estradas portuguesas no mesmo ano? No ano passado? Em 2005. Mais de 1.000. Exactamente 1.093. E este número não contabiliza (perdoem-me a fria expressão de técnico de contas, ao falar de vidas humanas) os feridos graves que dias depois, ou ao fim de algumas semanas, acabaram por não resistir. Dizem as estatísticas que passados 30 dias, a taxa de mortalidade agrava-se em cerca de 30%. E é preciso incluir nos números da sinistralidade os mais de 3.700 feridos graves que felizmente não perderam a vida, mas ficaram mutilados, afectados profundamente. E os quase 45 mil feridos ligeiros. A tese é esta: Portugal vive uma verdadeira guerra civil. Todos os anos. Há muitos anos. Todos os dias. A cada hora.

Quanto custa uma vida, um braço, um olho

A sinistralidade rodoviária em Portugal tem rostos, caras, pessoas e famílias que têm de um dia para o outro de enfrentar o drama. Mas também tem números. E são esses que aqui, agora interessam. O que representa para Portugal essa guerra chamada acidentes na estrada?

Do ponto de vista económico, os acidentes representam custos brutais para o país. A reparação dos danos, cobertos pelo seguro, obriga a um dispêndio de 1,45 mil milhões de euros, por ano, pagos pelas seguradoras, mas suportados por todos quantos pagam prémios de seguro. Ou seja, só na reparação de danos cobertos por apólices do ramo automóvel, as seguradoras gastam cerca de 2.700 euros em cada minuto que passa. Repito 2.700 euros por minuto.

Mas há muitos mais custos a considerar. De acordo com um estudo de Paulo Telles de Freitas (Custos da Sinistralidade Rodoviária na Europa, 2004) Portugal gasta por ano uma percentagem (5% PIB em 1995) elevada do seu orçamento da saúde no tratamento dos doentes traumatizados, na sua grande maioria vítimas de acidentes. de viação. Este valor em 1999 terá rondado os 48 milhões de euros de acordo com o mesmo estudo.

Faltam muitas parcelas a esta conta de somar. Os danos nas estradas, os custos do absentismo nas empresas, os custos provocados pelos atrasos em virtude do trânsito originado pelos acidentes, e tantos outros.

Quem disparou o primeiro «tiro»?

São basicamente duas as principais causas dos acidentes: o próprio condutor (em cerca de 57% os casos) e a intercepção de causas condutor/factores rodoviários em cerca de 27% dos casos. O veículo aparece como causa directa em apenas cerca de 2% dos casos e os factores rodoviários isoladamente não representam mais do que 3% das causas apontadas pelo estudo referido anteriormente. Ou dito de outro modo, em mais de metade dos acidentes, a causa é o próprio condutor. É o que se poderia chamar de erro humano. Estes «erros humanos» custam cerca de 2.000 milhões de euros ao país. Exactamente 200 euros a cada português.

Excesso de velocidade, manobras perigosas, álcool. Atitudes que são tomadas de forma individual. Veja-se por exemplo este último factor de acidentes. Os dados provisórios de 2005 dizem que a maioria dos condutores que morreram na estrada e que acusaram álcool apresentava uma taxa acima de 1,2 g/l. Portugal é o quarto país europeu a apresentar uma percentagem mais elevada de condutores com excesso de álcool. Finlândia, Noruega, Suécia e Dinamarca são os mais bem comportados, com os índices mais baixos. Curiosamente, ou talvez não, países onde a taxa de sinistralidade é também mais baixa.

Pode-se sempre apontar o dedo ao Governo, dizer que é preciso reprimir mais. São necessárias medidas mais duras e fiscalização em cada esquina. Mas qualquer pessoa civilizada percebe que com uma pequena mudança de atitude, pode contribuir, em primeiro lugar para uma redução substancial das mortes ocorridas nas estradas. Mas também para um aumento da riqueza produzida (ou pelo menos não gasta de forma improdutiva) no país.

Estamos na altura do ano, por eleição, em que mais portugueses parte de férias, muitos de carro, percorrendo centenas de quilómetros. Por isso se vai conduzir, até pode esquecer os 200 euros que todos nós pagamos por ano, mas retenha as caras alegres daquelas crianças que entram no avião. E imagine como ficariam ainda mais felizes se o avião pousasse em segurança, desta vez e na próxima. E sempre.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio