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Portugal Distraído

As nossas florestas, não só no Verão, cada vez mais durante todo o ano, vivem na expectativa de uma sorte que emigrou para paragens mais preparadas.

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Com a chegada da Primavera, chegam também as primeiras conversas de férias, da praia do campo e das viagens, mas também da enervante saga dos incêndios.

Esta realidade, simultaneamente tão doce-amarga, habitual e repetida, mostra um indisfarçável imobilismo de todos, sem excepção: os governos em matéria ambiental têm feito muito pouco, as oposições ainda menos, até porque as palavras, tal como as fagulhas, leva-as o vento.

Os interesse privados têm feito jus à designação, são de facto privados e só de alguns, actuando de acordo com interesses específicos, alguns muito difíceis de compreender à luz da mais elementar coerência.

Habitualmente, nesta época, o governo anuncia as medidas de prevenção aos fogos florestais para o ano em curso. Algumas semanas volvidas, voltaremos a ver o mesmo filme, os bombeiros continuam a pedir ajuda aos militares, os governantes aos parceiros europeus. Será que vamos entrar em guerra?! Pior do que isso. O país estará em estado de sítio, os habitantes das zonas tradicionalmente mais afectadas continuam a não dormir, barricam as suas casas e haveres, não com anti-mísseis, mas com água, contra um inimigo que, silencioso, nem sequer faz prisioneiros: mata e consome de imediato.

As nossas florestas, não só no Verão, cada vez mais durante todo o ano, vivem na expectativa de uma sorte que emigrou para paragens mais preparadas. O fogo mostra-se como um ciclone de olhos vendados, devora tudo o que lhe aparece à frente, deixando para trás um manto negro, molhado pela força das lágrimas.

Como só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja, as nossas estruturas de combate aos fogos lá se vão revezando de norte a sul do país, sem no entanto evitarem a necessidade de espera de futuras décadas, mesmo séculos, para que as florestas ou as reservas naturais voltem a ser o que eram dantes.

É certo que uma política ambiental sustentada demora várias legislaturas a conseguir. Ainda assim, para que tal aconteça, têm todos os responsáveis, muito em particular os do poder executivo, compreender que já não há lugar para estratégias e políticas trauliteiras, transformando boas iniciativas em destinos de terra queimada, através de um qualquer bota abaixo só porque teve origem noutra bancada parlamentar.

É preciso criar uma verdadeira concertação social em matéria de ambiente.

Mas não podemos ficar por aqui. A chamada sociedade civil também não está isenta de culpas e tem que ser chamada a novos comportamentos, não pode continuar a vestir a pele do cordeiro. Senão vejamos: quase sempre nos limitamos, de forma cúmplice, a assistir às dantescas imagens televisivas dos fogos incontroláveis que se transformam numa autêntica gadanha da morte.

Em vez de piedosamente comentarmos as imagens do choro dramático de quem tudo perdeu, lembremo-nos que a matemática, o português, ou a informática são competências essenciais nas escolas dos nossos filhos mas além da técnica, existe a ética e a formação social que não pode ser relegada para um plano facultativo, de menor interesse, que se limite a ocupar os tempos livres.

Só de forma diferente da actual, atentos a uma cidadania activa, conseguiremos educar verdadeiros cidadãos, tenham eles a profissão que tiverem.

É urgente parar para pensar, não podemos limitar-nos a amaldiçoar os pirómanos por maiores criminosos que sejam (e são), ou então a comentar as decorrências do buraco do ozono, o efeito de estufa e o consequente aumento das temperaturas.

Estamos a ficar sem os anéis e sem os dedos, por virarmos as costas à prevenção.

Resta-nos um estranho trofeu, negro, como quem ganha uma lápide funerária em vida.

Mas parecemos gostar...

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