Opinião
Por uma estratégia de recuperação económica: ‘Quo vadis Europa’ (II)
O esboço de estratégia de recuperação económica avançado há uns dias não é mera retórica.
O esboço de estratégia de recuperação económica avançado há uns dias não é mera retórica. É uma proposta para que a Europa enverede, no pós-Covid-19, por um caminho que cumpra cabalmente o ideal europeu, num contexto de crise sócio-económica totalmente diverso do que presidiu à sua fundação. Impõe reflexão, ousadia, ação. E, admita-se, uma dose de sorte.
Sem uma estratégia (esta ou outra) que a catapulte para o futuro, com um grau elevado de ‘corte com o passado’, a Europa estará possivelmente condenada a definhar para a irrelevância e a fracturação. De tal maneira que o ‘Brexit’ poderá bem vir a altear-se como um processo de inusitada presciência.
O acordo alcançado entre os ministros das Finanças da UE, disponibilizando 540 mil milhões de euros para financiamento exclusivo de custos, diretos e indiretos, com despesas com saúde, cura e prevenção da Covid-19, não passa de ‘tática’ na batalha em curso. Nada teve de estratégia. E, politicamente, procurou obnubilar uma realidade a que já nos habituámos. Se algo ficou demonstrado é que à Europa faltam alma, prolepse, solidariedade e tenacidade.
De nada adianta criticar o país A ou B. Uma Europa em que as diferenças culturais não constituam um dos alicerces de construção está condenada ao fracasso. Importa, para diante, perceber como pretende a Europa enfrentar as escuras nuvens no seu horizonte sócio-económico. Pensar a menos de uma década é impensável.
Olhemos para algumas questões concretas. A noção de ‘mercado’ (das liberdades) permanecerá regional e globalmente inalterada? Que ‘estado’ - mais interventivo ou não, em que áreas - exigirão os cidadãos? Como se orientará o investimento (e desinvestimento) nos diferentes setores (incluindo, o que exportar e importar)? Qual a redefinição do comércio mundial (aos diferentes níveis)? As linhas de logística, transporte e armazenamento serão as mesmas? Deve o bottom-line das empresas continuar a ser medido apenas financeiramente? Em que mundo digital queremos viver (e com que limitações, se alguma, a liberdades alcançadas)? Como se regulará e incorporará o comércio digital? Em que mundo energético (e de eficiência energética) iremos viver, e que mecanismos presidirão à inexorável transformação? Que ordenamento territorial e urbano deve ser promovido? Que sistema de educação existirá? Qual o ‘estado social’ do futuro? Qual a resposta a dar às alterações climáticas (já que a Covid-19 nos permitiu condições de laboratório para avaliação)? E que dizer da ‘segurança’, tema para alguns proibido, da segurança militar à energética, até à cibersegurança, bem como, agora nos apercebemos, a biossegurança?
Nesta incerteza estratégica, Estados-membros com diferenciada capacidade de investimento é uma debilidade destrutiva. A recuperação sócio-económica até poderá não passar por coronabonds. Mas passará certamente por uma equalização das condições de financiamento dos Estados-membros e respetivas empresas. O caminho da ‘federalização’, a ser percorrido, não será um fim em si mesmo. Será a consequência inexorável de uma Europa estrategicamente reorientada.
Não subsistam dúvidas. Da crise sócio-económica que se avizinha sairão vencedores e perdedores. Ainda a procissão vai no adro e já os first movers se estão a reposicionar no xadrez geoestratégico e económico global. Projetar um ‘regresso à normalidade’ põe em risco a sobrevivência do projeto europeu. Este é um abalo socio-político-económico de proporções ciclópicas.
Errar é um risco assumido de quem pretende antecipar o futuro. Erro maior é não procurar fazê-lo, ou deixar de o fazer, por tacanhas razões políticas de curto prazo. Esperar que o nevoeiro de incertezas e perplexidades se desvaneça, para tentar decidir sobre a estratégia sócio-económica.