Opinião
"ESG: O Novo Paradigma Empresarial"
Diferentes nomenclaturas – e.g. ‘negócios e direitos humanos’, ‘responsabilidade social corporativa’ –, e um pélago de padrões existentes, não têm facilitado a compreensão do fenómeno ESG.
O conceito de ESG (environmental, social, governance) está a dar corpo a um novo paradigma empresarial. Centrada de início no setor financeiro – como ‘métrica-padrão’ de análise de risco e sustentabilidade, base de seleção de investimentos e gestão de portfólios, alavanca de promoção de sustentabilidade e transparência, alicerce para criação de valor a longo prazo, ou eixo de gestão prudencial –, a formulação do ESG evoluiu no passado recente, extravasando para outros setores económicos. Desvalorizar este novo paradigma é um risco.
Tal risco é já incontornável no acesso a financiamento. Larry Fink, CEO do BlackRock, sublinha a realocação de capitais (acelerada pela pandemia) no sentido dos melhores perfis ESG, evidenciada em índices bolsistas alargados de base ESG com desempenhos superiores, e em empresas das indústrias automóvel, bancária ou petrolífera com melhores perfis ESG que beneficiam de um ‘prémio de sustentabilidade’ face às suas concorrentes. O Fundo Soberano da Noruega aponta no mesmo sentido. O completo desinvestimento em empresas petrolíferas cujo foco é apenas a pesquisa e produção de petróleo, mantendo no portfólio ativos que abraçaram a transição energética, parece advir de retornos negativos. Trond Grande, Diretor Executivo Adjunto, afirmou que as notações ESG são em definitivo parte da gestão do fundo, confirmando que análises de ESG têm vindo a alicerçar múltiplos investimentos. Na sua ótica, uma contribuição crucial em sede de ‘investimento ético’ será o fundo passar a escrutinar com maior detalhe a forma como as empresas realmente gerem a sua atividade.
Diferentes nomenclaturas – e.g. ‘negócios e direitos humanos’, ‘responsabilidade social corporativa’ –, e um pélago de padrões existentes, não têm facilitado a compreensão do fenómeno ESG.
Os instrumentos globais de soft law, elaborados ao longo de anos, incluem por exemplo os ‘Princípios de Investimento Responsável’, as ‘Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais’, os ‘Objetivos de Desenvolvimento Sustentável’, o ‘Acordo de Paris’, o ‘Reporte Financeiro relativo a Alterações Climáticas’, ou os ‘Princípios do Equador’. O risco de ‘inconsistência’ desta quasi-regulação (de adoção voluntária) advém em muito da inexistência de uma estrutura política supranacional. Ainda assim, é inquestionável o movimento no sentido dum regulatory hardening, com parâmetros de soft law a transmutarem-se em hard law.
Na U.E. este hard law inclui hoje o Regulamento (UE) 2019/2088 (divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor financeiro) e o Regulamento (UE) 2020/852 (estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável), a Diretiva 2007/36/CE, transposta pela Lei n.º 50/2020 (direitos dos acionistas), e a Diretiva 2014/95/UE (divulgação de informações não financeiras – NFRD), em iminente revisão. No plano do soft law, destaque-se o ‘Pacto Ecológico Europeu’ e seu ‘Plano de Investimento’.
A nível nacional, na Europa, há um ponto de viragem jurídico marcado pela iniciativa francesa sobre devoir de vigilance (2017). Na Suíça, em finais de 2020, apesar da maioria do voto popular, o requisito de ‘dupla maioria’ derrotou em referendo uma proposta sobre deveres de diligência e responsabilidade empresarial por violações de direitos humanos e ambientais. O caminho passará agora, talvez, por deveres de diligência mais restritos com base em reportes ESG. Finalmente, o governo alemão anunciou há uns dias a intenção de aprovar uma lei sobre deveres de diligência empresarial relativo a direitos humanos, ao longo da cadeia de valor, com um âmbito subjetivo mais alargado que a lei francesa.
No quadro da U.E., no entanto, o realce vai para a recentíssima proposta do Comité de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu, a qual poderá revolucionar o contexto europeu de negócios e promover em definitivo um padrão global para conduta responsável em negócios. A recomendação-chave é a adoção de uma diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre deveres de diligência e responsabilidade empresarial, que consagre a proteção de direitos humanos, ambiente e boa governança. Num epítome, refiram-se as disposições sobre efetivos deveres de diligência ao longo da cadeia de valor (da identificação de potenciais riscos e danos até à sua reparação, se necessário), abrangendo até pequenas empresas (se cotadas ou com atividades de risco), bem como obrigações de publicitação e divulgação, meios de reparação, sanções e responsabilidade civil. Digna de particular ênfase é a consagração de responsabilidade civil, a qual se estende potencialmente a sociedades-mãe.
Este movimento não irá desacelerar. E os riscos para o negócio expandir-se-ão. Análise e reporte de risco ESG, deveres de atuação, padrões de diligência, responsabilidade civil, penalidades administrativas (e.g. multas, contraordenações, perda de incentivos, limitações em concursos públicos, revogação de licenças), expetativas de stakeholders, ou restrições ao financiamento, são aspetos dum paradigma ESG que se irá impor na vida empresarial. Como quase sempre em processos disruptivos, a vantagem será provavelmente daqueles que partirem à frente.
Nuno Antunes, Sócio da Miranda & Associados
Lisboa, 16 de fevereiro de 2021