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Opinião
08 de Abril de 2005 às 13:59

Pilim e os charutos do Faraó

Oliveira, comerciante, ex-emigrante em New Jersey e um apaixonado por banda desenhada, estava longe de imaginar o muito que ainda tinha para aprender, depois do seu filho, consultor, lhe ter recomendado o livro Pyramid Principle, de Barbara Minto, como le

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Oliveira não percebeu muito bem a utilidade do livro. No entanto, durante a sua desinteressada leitura de férias, teve a ideia de fazer algumas pesquisas na Internet com a palavra «Pyramid». Tendo obtido milhares de respostas, resolveu estreitar a busca com a palavra que mais vezes lhe assaltava a cabeça – «money». De entre os resultados obtidos, houve três palavras que lhe suscitaram mais curiosidade, em virtude da frequência com que apareciam: «Ponzi», «mail» e «multilevel».

Pegou, então na sua Dupont Chairman e preparou-se para tirar notas...

Começou por descobrir que Ponzi, Charles Ponzi, italiano emigrante nos E.U.A., foi uma figura que nos anos 20 deu um monumental golpe num vasto conjunto de investidores americanos, defraudando-os em milhões de dólares. Como? Através de uma mecânica simples, que viria, anos mais tarde, a ser também utilizada em Portugal: aliciar a rapaziada que quer enriquecer depressa e sem esforço com investimentos que podem render 10% ao mês, ou mais, e pagar-lhes com as entradas de dinheiro que os novos (patos) investidores vão fazendo!

Ao princípio há que fazer alguma publicidade, normalmente difundida através do boca a boca, pagando os juros prometidos aos primeiros investidores – até com o próprio dinheiro dos mesmos, já que 10% dá para lhes pagar juros durante dez meses. Estes, não cabendo em si de contentes, não só tornam a reinvestir o dinheiro ganho, como vão propagando a existência desta «galinha dos ovos de ouro», aconselhando os amigos a aderir. Está então lançado o golpe. Depois, vem o pior...

Os «Ponzis» começam a canalizar os fundos recolhidos não apenas para o pagamento dos juros prometidos, mas igualmente para investimentos de elevado risco (e expectativa de retorno) – como sejam certas acções cotadas em Bolsa, casinos ou lotarias – e, naturalmente, para o seu próprio bolso. Quanto mais rico fica o «Ponzi», mais credibilidade ganha e mais patos consegue atrair. Os patos que vão conseguindo ficar ricos, através dos juros cobrados, vão conseguindo atrair outros patos. Os investimentos de risco, de quando em vez, até vão gerando alguns trocos que dilatam o bolo...

Quem é que se vai lembrar que um dia um jornalista enganado denuncia a farsa e leva toda a gente a pedir o dinheiro de volta ao mesmo tempo?

Gratificado com o até aqui aprendido, Oliveira vira-se agora para o estudo da segunda pirâmide, apelidada de mail. Aqui amecânica é outra. Alguém (o «Receptor») recebe uma carta com cinco nomes inscritos. Nessa carta indica-se ao Receptor para enviar um euro a cada um dos nomes aí indicados e, ao mesmo tempo, fazer uma nova carta. A nova carta deverá conter cinco nomes resultantes da execução dos seguintes passos: remoção do primeiro nome da lista recebida, seguida da subida de todos os restantes quatro nomes e da aposição do nome do Receptor em último lugar. A nova carta deverá ser enviada para duzentos destinatários diferentes (naturalmente, sem dinheiro lá dentro), contendo todas as instruções atrás referidas.

Oliveira fica momentaneamente intrigado com o montante que poderá receber se entrar num esquema destes, concluindo, depois de muitas contas, que, se a taxa de resposta for de apenas 5% (isto é, apenas dez dos duzentos que recebem continuam a jogar o jogo) e a quantia a enviar de um euro, a expectativa de ganho é de 10 + 100 + 1.000 + 10.000 + 100.000 = 111.110 (euros). Porquê? Porque dez dos duzentos que receberam a carta enviam um euro para uma lista de 5 nomes contendo o nome do Receptor em quinto lugar e uma nova carta para mais duzentos; desses dois mil assim contactados (10x200), cem (5%) enviam um euro para uma lista de nomes contendo o nome do Receptor (que recebe mais 100 euros) em quarto lugar e uma nova carta para mais duzentos... e assim sucessivamente, até o nome do Receptor sair da lista...

Quem é que se vai lembrar que a taxa de resposta pode ser 0%?

Finalmente, Oliveira ataca a última das três pirâmides – o Multilevel. Como é que funcionam as coisas aqui? Com angariadores actuando em estruturas com vários níveis. Imaginemos um esquema funcionando por grupos de cinco níveis (cada um encaixando no nível seguinte, até fazer uma pirâmide tendencialmente infinita), em que cada angariador tem que arranjar mais quatro...

Cada aderente tem que pagar 100 euros para entrar no jogo. Desses 100 euros, 25 vão para quem o angariou, 25 para a organização (podendo, ainda, parte ser canalizada para o topo da pirâmide) e 50 serão divididos pelos angariadores do angariador até cinco níveis acima. O aderente terá agora que recrutar mais quatro, recuperando o seu investimento (25 euros recebidos de cada um dos quatro recrutados) e esperando que os quatro que recrutou, recrutem dezasseis e assim sucessivamente. Colocado no primeiro dos cinco níveis, o aderente, agora angariador e já com o investimento inicial recuperado, receberá 160 euros dos primeiros 16, 640 euros dos 64 recrutados pelos 16, 2.560 euros dos 256 recrutados pelos 64... até receber um total de 54.560 euros! Mas vejamos quantos é que os últimos 4.096 a aderir à pirâmide terão que recrutar: 4x4.096 = 65.536! E estes últimos patos terão que encontrar quantos patos? 262.144! E estes patos? 1.048.576 novos patos! E estes? Mais ou menos a população activa portuguesa. Pois é, os últimos a entrar não se vão safar.

Mas quem é que vai julgar que é o último a entrar?

Oliveira já tinha visto o filme todo. Acende agora um charuto, encosta a cabeça para trás e, expelindo uma argola de fumo, idealiza uma situação... Imagina-se a pedir dinheiro para investir, através de um artifício semelhante ao de Ponzi, começando por convencer a sua base de clientes. Com esse dinheiro compraria o carro e o relógio dos seus sonhos – um Citroën Traction de 1934 e um Girard-Perregaux Grandes Complications Vintage 1945 –, investindo o resto na expansão do seu comércio. Inventaria uma carta de solidariedade onde colocaria o nome da sua empresa como benfeitora e pediria para não interromper a cadeia (esperava que o nome da sua empresa passasse a ser conhecido por milhares). Finalmente, convenceria cada um dos seus clientes a obter avultados descontos uma vez angariados vários novos clientes...

O que poderia correr mal?

«Já olhaste para o livro pai?» – pergunta o filho, interrompendo aquele pensamento piramidal. «Já, filho. É muito interessante. Agora percebo porque é que vocês consultores são tão procurados pelas empresas. As vossas ideias são brilhantes!»

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