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Nicolau do Vale Pais 13 de Abril de 2012 às 12:09

Outra Guerra. (sem abate de sobreiros)

"Catch 22" - "Ardil 22" ou "Artigo 22", dependendo da tradução - é um livro de 1961 do americano Joseph Heller.

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"Catch 22" - "Ardil 22" ou "Artigo 22", dependendo da tradução - é um livro de 1961 do americano Joseph Heller. Considerada uma das maiores obras do género, foi adaptada mais que uma vez ao cinema, nomeadamente por Mike Nichols, em 1970. O drama desenrola-se durante a II Guerra Mundial, à volta da tentativa de sobrevivência do Comandante Yossarian, líder de uma equipa de Aliados que tripula um bombardeiro estacionado no Mediterrâneo. Yossarian está convencido de que existe um plano para o seu extermínio à traição, e vive cercado pelo dever e por figuras sinistras: um Coronel que só pensa em esbanjar dinheiro e meios em paradas militares, um Major que passa a Guerra acobardado a esconder-se dos seus homens, e o Tenente Milo Minderbinder, um capitalista-existencialista puro, que quer lucrar com a Guerra, cobrando comissões, lucrando com o combate... A obra gira à volta da insanidade e do paradoxo bélicos; sobreviver a uma Guerra significa participar nela - a "segurança dos seus homens" deveria ser a prioridade do comandante, mas não lhe resta alternativa senão enviá-los para o caminho do risco e da morte no "cumprimento do dever". "Catch 22" torna-se, ao longo da obra, uma expressão idiomática que designa a frustração associada a uma situação da qual não é possível sair senão com riscos, porventura, ainda mais elevados do que a própria situação configurava. A impopularidade da ficção de qualidade junto do(s) Poder(es) entende-se bem - são deles e das suas vítimas esclarecedor retrato.

Foram esta semana absolvidos todos os arguidos do "Caso Portucale", relacionado com o abate de Sobreiros na "Herdade da Vagem Fresca" em Benavente, para a construção de um empreendimento turístico e imobiliário do Grupo Espírito Santo: o principal arguido, o empresário e ex-dirigente do CDS/PP, Abel Pinheiro, e os autores do despacho conjunto do Governo PSD/CDS-PP - liderado na altura por José Manuel Durão Barroso - Luís Nobre Guedes, então ministro do Ambiente, Telmo Correia, ex-ministro do Turismo, e Costa Neves antigo ministro da Agricultura. Tinham sido acusados dos crimes de tráfico de influências, falsificação de documentos e abuso de poder. Na TVI24, Abel Pinheiro choramingava a sua inocência; como um hipócrita, discorria à porta do Tribunal, terminada que estava a sessão, sobre como este desfecho lhe dava razão. Néscio, "esqueceu-se" de dizer que ninguém provou a limpeza ética dos processos em questão, e que a "inocência" chega, outra vez, por falta de prova, inépcia na investigação ou pior ainda. Abel Pinheiro faz da falta de meios e credibilidade da Justiça a sua redenção, lembrando-nos que agiu "em nome dos interesses das empresas portuguesas".

Esta Páscoa viajei por magníficos sítios que as auto-estradas e barragens ainda não conseguiram retalhar por completo, circulando entre Proença-a-Nova (Castelo Branco) e Mora (já no distrito de Évora). Vi marcas brutais de incêndios bíblicos, que contrastam com a beleza natural que pedimos emprestada aos nossos filhos. Pensei em quanto valeria a madeira desperdiçada em termos de aquecimento doméstico, em poupança sustentável para aquela que é uma das zonas mais frias e pobres do país (algo que se pode generalizar para "o interior"). Imaginei receitas de IVA a crescerem com a venda de equipamentos de calefacção a lenha, e a mão-de-obra desempregada da construção a ser requalificada e reconduzida para um comércio e montagem de equipamentos em pequena escala, mas eficaz, com benefícios para populações, Estado, privados. Pensei que talvez pudéssemos resolver a vergonha de sabermos que mais de um terço da nossa população não tem hoje sequer meios para se aquecer, simplesmente formatando os negócios às necessidades, e os recursos às regiões. Acordei do meu ingénuo idílio com mais uma notícia sobre mais uma rábula do Governo, destinada a aumentar a cobrança em nome de uma Economia que não faz ideia como fomentar por não lhe conhecer a matéria-prima.

Portugal não é um "catch 22"; é só começar a chamar os bois pelos nomes. Mas isso seria outra guerra que nada tem que ver com o festival foleiro da Televisão e a obscenidade dos "Judas" que se inocentam quando ainda trazem as migalhas da ceia no colo.

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