Opinião
Os novos Cátaros da Informática
Um amigo dizia-me há tempos que os «softwares» de fonte aberta, disponibilizados gratuitamente na Internet eram os perdedores, os loosers, da concentração da oferta globalizada.
O ciclo de vida dos «softwares» informáticos é acompanhado por um movimento em paralelo do mercado que transforma a procura à medida que a oferta amadurece. Assim, a normalização, estandardização conduz a agudizar a guerra comercial entre os editores de «softwares». A curva de aprendizagem dos «softwares» e o desejo de conforto do utilizador final favorecem a solução mais vendida que vence graças a margens superiores e acções predatórias contra os seus concorrentes. Somente fica, depois da batalha, um único vencedor.
Os feridos-de-morte aliar-se-ão aos inimigos de sempre: novos Cátaros da Informática, um movimento info-cultural que rejeita a «usura informática», absolutamente genial e sui generis que desabrochou no nosso tempo com o nascimento da Internet. Disto poderemos falar aos nossos netos e sobrinhos: fomos testemunhos do nascimento da Irmandade Universal dos Softwares Livres!!!
Os nossos Novos Cátaros têm a particularidade de rejeitar o modelo comercial basilar da informática: criar uma empresa numa garagem e fazer fortuna muito rapidamente com base numa inflação da sua oferta (Hype). Os novos informáticos são autênticos freaks, cabeludos pós-sessenta e oito, ecologistas eventualmente, baba-cool ou dead-punk, pouco importa, às vezes têm gravata mas sempre qualquer coisa de fora do lugar, altermundialistas muito provavelmente... Eles fazem funcionar os sistemas de dados do mundo inteiro e desenvolvem uma ética meritória e surpreendente.
Como funciona esta rede, esta nova congregação tecno-filosófica? Existem aplicações «software» que são lançadas no domínio público. O melhor exemplo é o Linux, o sistema operativo livre e gratuito oferecido por Linus Torval, ou as próprias normas da Internet oferecidas pelo CERN. As razões que conduzem a este acto são variadas mas salientaremos duas: o desejo de salvar um projecto que já não tem saída comercial e / ou a possibilidade de desenvolver um projecto com milhares de utilizadores, num modelo cooperativo de desenvolvimento, teste e utilização sem recursos financeiros. Cruzam-se neste mercado descapitalizado... produtos criados por génios isolados e has-been, loosers, perdedores, à procura de um segundo fôlego.
Os utilizadores dos «softwares» livres são geralmente informáticos de empresa e Universitários. A forte colaboração nos testes de «software» e correcção de bugs, a participação no desenvolvimento de novas funcionalidades e na localização, têm sustentado um modelo de desenvolvimento destas aplicações que «cola» às necessidades do mercado e garante uma grande robusteza e fiabilidade. Os «softwares» de fontes abertas têm um desenvolvimento surpreendente e uma qualidade competitiva em relação aos «softwares» de marcas comerciais. Neste mercado singular, uma concentração da procura determina quais são as soluções que perduram e evoluem. Assim, alguns loosers conseguem a sua metamorfose... e libertam-se.
Três características explicam este fenómeno: 1) A concentração da oferta global liberta recursos humanos qualificados; 2) O custo zero da produção dos «softwares» livres; 3) Consequentemente, a oferta de «softwares» maduros entra em sub-produção.
Haverá um colapso da oferta comercial? Quem tem mais perenidade ? Até à data, o «software» livre tem uma posição mitigada e não parece ter inquietado muito o nº 1.
Esta nova oferta ainda não convenceu as Empresas nem a Administração Pública. Se os Cátaros da Informática conseguirão a primeira vitória com o pacto que firmarão com os perdedores da guerra da supremacia global do mercado do «software», carecem, na Europa, de celebrar uma aliança estratégica com os poderes políticos. Esta aliança já arrancou na China, na Rússia, na Índia, entre outros países que utilizam os «softwares» livres para o seu desenvolvimento.
Os «softwares» livres constituem uma oportunidade única para recriar competição na oferta. Para certificar estas soluções e gerir um arquivo público das fontes, o Estado poderia leiloar missões de estudo por segmento de mercado as Universidades. Uma taxa razoável de «softwares» livres proporcionará um forte aumento do poder negocial do Estado e forçosamente poupanças importantes.