Opinião
Os fundamentos económicos do lançamento de novos canais de televisão
Foi confirmado, recentemente, que será aberto, em Outubro, o concurso para o quinto canal de televisão em sinal aberto. Este anúncio originou, em alguns sectores de opinião, reticências acerca da capacidade do mercado português poder suportar mais canais
Mas, pouco se adiantou, para além da mera manifestação de legítimos interesses dos operadores instalados ou da referência, provavelmente certeira, da motivação meramente politiqueira da abertura deste concurso.
A entrada de novos canais privados, bem como a privatização dos actuais canais públicos, encontra forte justificação na análise económica dos media. Refiro-me a seguir apenas ao primeiro ponto, a saber: a necessidade de canais adicionais.
A operação de novos canais justifica-se, quer do ponto de vista da oferta e da estrutura dos custos, quer do lado da procura e da diversidade das preferências dos consumidores. Estes factores não são especificamente nacionais e relevam, em geral, da situação actual vivida nos mercados mundiais da televisão.
No que concerne à procura, a satisfação das preferências de grupos minoritários obriga à existência de mais canais. A existência efectiva de grupos de consumidores minoritários, mas de dimensão significativa, com preferências próprias, criaria, numa situação de franca abertura do sistema regulatório, o mercado necessário para o aparecimento de novos canais. Actualmente, com a estrutura de oferta existente, grupos minoritários importantes, constituídos por, seguramente, pelo menos 30 % da população, estão impedidos de ver satisfeitas as suas preferências. Atente-se na actual impossibilidade de escolha de tipos de programas devido aos constrangimentos da oferta dos canais existentes (canais públicos incluídos). Esta limitação da oferta – economicamente justificada dado o número de canais existentes a estrutura das preferências dos consumidores – só poderá ser ultrapassada com a oferta de mais canais. Qualquer outro método, como a regulamentação das programações dos canais, estará votada ao fracasso, conforme a teoria económica prescreve e como várias experiências têm comprovado.
Do ponto de vista do mercado da publicidade, a multiplicação de canais não é a principal ameaça que enfrentam os actuais operadores. A crescente diversificação das atenções dos consumidores por outros meios de comunicação é o verdadeiro desafio, o que obriga as empresas a criar grupos de media, integrados e diversificados, capazes de captar as novas atenções dos consumidores.
A estrutura de custos é outra vertente do problema, cuja correcta análise aponta igualmente para a possibilidade e conveniência de novos canais. Uma certa tradição entre os economistas tem sido um obstáculo à correcta compreensão do problema. Na verdade, no longínquo ano de 1958, Paul Samuelson inaugurou a tradição, que depois conheceu numerosos seguidores, de assumir que a emissão de televisão, entre outras produções de conteúdos, é uma actividade de fortes custos fixos e economias de escala(1).
Se estas economias de escala existissem de facto, a abertura de novos canais seria uma iniciativa artificial votada ao fracasso. Mas, na realidade quer a investigação empírica, antiga e recente(2), quer a enorme multiplicação de canais, com sucesso comercial, que se produziu em todo o Mundo desde a segunda metade dos anos 80 do século passado, comprovam o irrealismo da suposição de Samuelson. Na verdade, devido à natureza específica de certos factores humanos na elaboração dos programas, os custos de produção – sobretudo aqueles que estão associados à remuneração dos grandes talentos – crescem com o número de espectadores potenciais dos programas. Esta relação, que tem sido geralmente comprovada em diversos estudos, não suporta a ideia de existência de economias de escala no sector televisivo. É, assim, economicamente avisado, também do lado da oferta, que se promova o aparecimento de novos canais.
Os poderes públicos estão neste caso a agir no sentido certo.
Questão diferente – onde, porém, os poderes públicos parecem não ter a mesma vontade de acertar – é a de saber se se justificam, para além das normais regras de defesa da concorrência exigíveis em todos os sectores, os obstáculos à concentração dos grupos que operam nos media. Mas esta questão requer análise autónoma em artigo futuro.
(1) Paul Samuelsin, “Aspects of public expendure theories”, Review of Economics and Statistics, Ano de 1958, vol. 40, págs. 332-338.
(2) Para uma referência mais antiga veja-se: M. Spence , B. Owen, “Television programming, monopolistic competition and welfare”, Quarterly Journal of Economics, 1977, vol. 91, pags. 103-126. Para situações mais recentes, refira-se, por exemplo: M. Bourreau, M. Gensollen e J. Perani, “Les économies d’echelle dans l’industrie des medias”, Revue d’Economie Industrielle, n.º 100, 3.º trimestre de 2002.