Opinião
Os bens da Natureza
A estrutura do mundo actual, com 20% da população a consumir 80% dos recursos existentes, impressiona qualquer cidadão bem formado.
Estas condições, com uns poucos na sobreabundância e os restantes em condições de pobreza, dos quais muitos em miséria extrema, não são sustentáveis a prazo, nem do ponto de vista social, nem ambiental, nem económico.
Daí que o imperativo de mudança de paradigma, que o conceito de Desenvolvimento Sustentável traduz na perfeição, tenha surgido da conjugação de uma série de factores que o torna inevitável. Pensemos na produção crescente de resíduos, na preocupação crescente dos cidadãos com a qualidade do ambiente e com o comportamento social das empresas, na influência crescente dos critérios ambientais e sociais na tomada de decisões de investimento público e privado, nas preocupações e expectativas cada vez mais generalizadas quanto aos impactes da mundialização da economia, da degradação ambiental e das questões sociais.
No processo de Desenvolvimento Sustentável podemos identificar como objectivos, entre outros, a criação de mais progresso social, reconhecendo as necessidades de cada um; a utilização eco-eficiente dos recursos naturais e a criação de mais riqueza pelas empresas; a manutenção de níveis elevados e estáveis de crescimento e de emprego; a participação informada e alargada dos cidadãos nos processos de tomada de decisões; a educação para a Sustentabilidade.
Se o Desenvolvimento Sustentável, a nível macro, implica dissociação, progressiva, entre bem-estar e consumo de recursos, ou seja, conseguir mais qualidade de vida com menos utilização da Natureza e menos tensão social, a nível da empresa implica integrar, faseadamente, a tripla linha de base da sustentabilidade (económica, social e ambiental) na sua gestão estratégica, de forma a produzir mais e melhor (eco-eficientemente) a partir de menos, ou do mesmo. O Valor Sustentável passa a conceito central da gestão das empresas e a condição da sua manutenção no mercado, a prazo.
Adoptar os conceitos inerentes à sustentabilidade (como fonte de novas oportunidade de mudança e de negócio) tornar-se-á cada vez mais um requisito do Valor das empresas no mercado e do grau de Responsabilidade Social com que exercem as suas actividades.
Atente-se, entre outros factos, na criação do Dow Jones Sustainability Index Group; na adopção, por um número crescente de empresas, de Relatórios da Sustentabilidade; no reavivar do conceito de Empresa Socialmente Responsável; nas recomendações do Fórum de Governação Empresarial da OCDE; na intensificação dos Investimentos Socialmente Responsáveis e nas Financial Initiatives da UNEP; na elaboração das próprias Estratégias Nacionais para o Desenvolvimento Sustentável por parte dos Estados Membro da UE como output da Estratégia Europeia para o Desenvolvimento Sustentável (Gottenburg em 2001). Neste sentido, compilámos num documento - Referencial Internacional da Actividade Empresarial - um conjunto de normas e códigos de conduta para Empresas Socialmente Responsáveis.
Estamos, de facto, em fase de mudança de paradigma, do business-as-usual para um cenário de sustentabilidade, de integração simultânea de objectivos económicos, sociais e ambientais em todas as políticas sectoriais, mesmo que a maioria de nós não se aperceba ainda do processo de mudança em curso, a nível global, e dos enormes desafios a vencer.
Claro que, neste contexto, será também inevitável solucionar o permanente «conflito» entre a decisão do sujeito - nível ético, e a moral instituída - nível colectivo, entre o interesse individual e frequentemente individualista de levar até ao fim os seus próprios quereres (lucro a qualquer preço, por exemplo) e o interesse moral, como que uma ética colectiva, que nos obriga a atender ao interesse das partes interessadas, e por isso, também, ao ambiente como «cliente» último de toda a nossa actividade.
A moral, este sedimentar de princípios, valores e costumes, como conceito dinâmico que é não pode deixar de atender à evolução das próprias condições base do novo paradigma, a novos requisitos civilizacionais. De facto, assiste-se a um interesse crescente da sociedade e do próprio mercado pelos componentes intangíveis do Valor. O capital financeiro expressa, afinal, a qualidade da gestão que a empresa aplica aos outros tipos de capital, nomeadamente o capital natural e humano, aos quais, em consciência, teremos todos de passar a prestar uma muito maior atenção face aos resultados a atingir.
A Empresa Socialmente Responsável, promotora de sustentabilidade (económica, social e ambiental), não só cumpre toda a regulamentação (vai mesmo para lá da conformidade), como investe fortemente no capital humano, na salvaguarda do ambiente, nas suas relações com as partes interessadas numa perspectiva do ciclo de vida dos produtos. Ao fazê-lo, está a contribuir para uma melhor administração dos recursos naturais, e, simultaneamente, a beneficiar da redução de custos operacionais e dos impactes ambientais e sociais associados à sua actividade.
Neste sentido, a ética, colocada a nível do sujeito, passa a ter de atender, com muito mais veemência, a este novo enquadramento moral, aos valores, preceitos e princípios que o Desenvolvimento Sustentável implica, a uma (eco)- eficiente e eficaz Administração dos materiais, água e energia (e funções) que a Natureza proporciona à sociedade, e que estão na base do funcionamento do seu sistema económico, que existe para servir o bem-estar de todos e não apenas de alguns poucos.
De facto, estamos perante uma nova abordagem à relação empresa-sociedade-governo, na qual as questões de ética e de moral tenderão a passar de conflituosas a complementares, o que, em meu entendimento, representará um enorme passo civilizacional.