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26 de Abril de 2006 às 13:59

Obrigado, Bin Laden

As exortações do terrorista Bin Laden têm uma vantagem incomensurável. Cada tirada do saudita aponta o caminho a seguir na guerra ao islamismo totalitário e desfaz qualquer ilusão em matéria de apaziguamento e concessões.

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Bin Laden não ofereceu desta feita tréguas a europeus ou norte-americanos, intercaladas de ameaças de actos terroristas, e advertiu que a guerra é total e indiscriminada pois, afirma o xeque, recaem sobre todos os povos as responsabilidades pelas acções anti-islâmicas dos seus «dirigentes e senhores».

Consequentemente, qualquer civil é conivente na cruzada e, portanto, potencial alvo por via da guerra sem quartel que movem «os sionistas e os cruzados» contra a comunidade imaginária de fiéis do Profeta, sob o comando do foragido em terras das tribos pashtun.

A campanha de genocídio no Darfur, em que se empenham em particular as milícias Janjaweed, é apresentada por Bin Laden como «justa resistência» a uma cruzada ocidental e sionista para dividir o Sudão. A ignota tragédia do Darfur está, agora, a par da generalizada ofensiva anti-islâmica para «pilhar as riquezas» dos crentes. È uma tentativa propagandística de Bin Laden de justificar uma nova frente terrorista depois de ter ignorado o Sudão desde a sua expulsão do país em 1996.

As referências ao Darfur, com os frustes conselhos para os putativos guerreiros aproveitarem a estação das chuvas e armarem-se, é, apenas, mais um caso exemplar da capacidade de Bin Laden em parasitar todo e qualquer conflito que envolva comunidades muçulmanas. Vem na linha da proclamação de Novembro de 2001 ao denunciar os «cruzados australianos» que a mando da ONU desembarcaram em terras indonésias para «separar Timor-Leste do mundo islâmico» e nesta mensagem de Abril Bin Laden reitera a denúncia desta conspiração dos «cruzados, dos sionistas e dos hindus».

O boicote ao governo de Ismail Haniyeh é outra prova da conspiração global contra o Islão na interpretação mais recente de Bin Laden, ecoando as tiradas de um apoiante declarado, o xeque iemenita Abd al-Majid al Zindani, que no início deste mês manifestou o apoio aos islamitas palestinianos numa reunião no Iémen em que esteve presente o líder do Hamas Kahled Mashaal.

O porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, apressou-se a afirmar que a doutrina do movimento «é totalmente diferente da ideologia do xeque Bin Laden», mas admitiu, também, que «o cerco internacional ao povo palestiniano» é foco de tensão no mundo árabe e islâmico» e alimenta a suspeita de «uma aliança ocidental e israelita».

No plano da ideologia que alimenta a acção o universo fantasmagórico dos islamitas acaba por confundir todas as correntes e a vertente nacionalista do Hamas, herdeiro dos Irmãos Muçulmanos, revela-se, assim, na sua obsessão pelo extermínio dos judeus paralela à retórica exclusivista e genocida de Bin Laden.

A incapacidade que a Al Qaeda tem mostrado para implantar-se na Palestina, mostra, contudo, que o islamismo nacionalista do Hamas é um obstáculo de peso às ambições de jihad global de Bin Laden. A deriva terrorista anti-xiita e contra as facções nacionalistas sunitas no Iraque promovida por Abu al Zarqawi e agravada pelos atentados de Novembro do ano passado em Amã contribuíram para desprestigiar ainda mais a Al Qaeda como alegada vanguarda da resistência islâmica.

A marcar presença nesta última tentativa de Bin Laden para provar que é ainda capaz de marcar a agenda guerreira, apesar de, na realidade, limitar-se a parasitar os conflitos possíveis, o foragido tentou, igualmente, reavivar a campanha contra os alegados insultos caricaturais ao Profeta e a proibição do porte do véu islâmico nas escolas francesas, reiterando as tradicionais ameaças aos governantes «hipócritas e apóstatas» vendidos a um compromisso com os inimigos do Islão. Não trouxe novidade e revelou frustração quanto a movimentos e causas que se multiplicam, ignorando a jihad pela restauração do Califado acalentada por Bin Laden.

Bin Laden sem o Irão

Gravada após a segunda semana de Março, a julgar pela referência ao ataque israelita à prisão de Jericó, a declaração de Bin Laden, tal como a exortação de 19 de Janeiro, refere as guerras do Iraque e do Afeganistão, acrescenta agravos sofridos na Tchetchénia, em Caxemira, na Bósnia, na Somália, no Afeganistão e no Paquistão, mas é omissa quanto a uma questão fulcral: o Irão.

Bin Laden e o seu número dois, o egípcio Aimen al Zawari, evoluíram nas névoas do islamismo sunita e estão excluídos doutro universo dogmático, o dos heréticos xiitas, que, como ideólogos consequentes, optam por relegar às trevas.

Ora, o xiita persa Mahmoud Ahmadinejad é o pólo oposto de Bin Laden. Nos seus momentos de exaltação Ahmadinejad perde-se no recolhimento do khalvat, na comunhão com o Mahdi, o décimo segundo imã oculto.

Ahmadinejad é um crente no mahdaviat, devoto ao culto e activismo pelo retorno do Soberano do Mundo, como, aliás, deixou claro na alocução à Assembleia Geral da ONU em Setembro do ano passado, um mês após tomar posse como presidente do Irão.

O martírio da bomba nuclear será, nas alucinações de Ahmadinejad, a via do activismo, a ta´bi`a, a exemplo do sacrifício do imã Husain para restaurar a Casa de Ali; um passo do walâyat, o ciclo de iniciação espiritual xiita no sentido oculto da mensagem profética.

Esta dogmática xiita é alheia ao activismo sunita de Bin Laden que visa unificar os crentes e expandir a Casa do Islão na pureza mítica dos tempos do Profeta, sem miragem de apocalipse e advento da justiça divina.

Nas suas alucinações místicas os radicais islamitas sunitas e xiitas têm em Bin Laden e Ahmadinejad dois pólos totalmente opostos que se combatem numa tradição que acreditam advir das lutas que dilaceraram os sucessores de Maomé.

Ao foragido nas montanhas que as tribos pashtun protegem cabe daqui endereçar um imenso obrigado por nos relembrar estas infames e alucinadas verdades de uma guerra sem quartel.

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