Opinião
O som da maldade
Há notícias de que a mais recente sensação da indústria fonográfica brasileira é um CD produzido pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) - a mesma que de vez em quando organiza motins penitenciários e pratica tiro ao alvo contra políc
Os exemplares do CD são vendidos discretamente por vendedores ambulantes que, sob anonimato, declaram que a oferta não dá conta da procura. Um sucesso. Mas não chega a ser inédito. O Comando Vermelho - veterana das organizações criminosas construídas a partir das prisões brasileiras - já tinha lançado o seu CD, e o filão foi de tal maneira bem sucedido que chegou a merecer um nome próprio: são os «Proibidões».
Sempre em ritmo de «funk» - que tomou o lugar do samba como música de favela e que já pouco tem a ver com as suas origens norte-americanas - as músicas exaltam «guerreiros» e «soldados» do tráfico de drogas e desprezam «vermes» (sejam eles polícias, denunciantes ou traficantes rivais). As letras são violentíssimas, mas não mais do que as de um outro CD, ainda mais assustador - o «funk do Caveirão».
O «Caveirão» é um carro blindado - desses feitos originalmente para transporte de valores - adaptado para o transporte de policias do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) em incursões nas favelas. O carro, todo fechado, tem pequenos orifícios, por onde os canos das armas dos polícias cospem ferro e fogo. Infernal. Quando o «Caveirão» passa, seja bandido, seja trabalhador, mulher, velho ou criança, é fugir, fugir e rápido. Algum integrante do BOPE achou, porém, que o terror causado pela passagem do «Caveirão» ainda era insuficiente e, com a colaboração de um amigo «funkeiro», gravou a sua canção, para ser executada em altos brados pelas colunas de som do «Caveirão», durante as operações: «Homens de preto (o uniforme do BOPE é preto) qual é tua missão? Entrar pela favela e deixar corpos no chão/ Homens de preto o que é que você faz? Eu faço coisas que assustam o Satanás».
O mais espantoso é que isto não se passa num momento agudo de uma crise qualquer. É, há anos, parte do quotidiano de centenas de milhares de pessoas. É a estética do mal, a rima (pobre, miserável) da violência, a cultura da brutalidade, o gozo indecente do assassinato. Não há bons porque não há bondade. Há maus que exaltam a própria maldade, que se orgulham dela, que se valem dela e que a ostentam como bandeira. E alguns são polícias. É a falência de tudo o que tem valor.
PS: Há trinta anos uma canção de Chico Buarque clamava por socorro: «chame o ladrão, chame o ladrão!». E noutra Caetano Veloso cantava: «Ah, que esse cara tem me consumido/ a mim e a tudo o que eu quis/ com os seus olhinhos infantis/ Como os olhos de um bandido». A diabolização da Polícia (no caudal de tudo o que fosse repressor durante a ditadura) e, além disso, a glamourização dos bandidos, foram (não são mais) parte geradora da cultura de violência que assola o Brasil urbano de hoje.
PPS: «Polícia, Polícia!», clamo eu (em vão) para multar, reprimir, rebocar, levar para o Quinto dos Infernos estas porcarias destas latas estacionadas em cima dos passeios.