Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

O que mudou na arquitectura

É sabido o quanto os poderes antigos sempre gostaram de assinalar a sua passagem com monumentos e construções. A vã glória de mandar foi muitas vezes acompanhada da glória de mandar construir catedrais e palácios. Desses actos de pedra resultando o resumo

  • ...

Depois, nos séculos XIX e XX, as grandes construções foram em geral obras de engenharia e a natureza do poder político, disseminado pela democracia, foi dificultando o registo da origem nominal da encomenda. É o Estado e não alguém em particular que assina as obras modernas.

Neste contexto a arquitectura tem um estatuto ambíguo, entre o artístico e o técnico, gerando um discurso cultural bastante fechado e auto-referencial, tal como acontece ainda hoje com as chamadas artes plásticas.

Em finais do século passado esta situação altera-se radicalmente e a arquitectura volta a adquirir um enorme protagonismo público realizando de novo o efeito catedral. Torna-se então o símbolo maior da pujança cultural e económica da cidade. Com a globalização as cidades adquirem uma nova importância e centralidade, ocupando o espaço perdido pelas soberanias nacionais, cada vez mais postas em causa por estratégias de sinergia e alianças de vária ordem.

A arquitectura torna-se assim na principal fachada, real e simbólica, do dinamismo económico das grandes urbes.

Este facto conduziu a uma enorme alteração no modelo de produção dos objectos arquitectónicos. O velho atelier do arquitecto, especialista em cortes e alçados, foi substituído por verdadeiras fábricas multidisciplinares, onde se recombinam naturalmente arquitectos, com engenheiros, sociólogos, políticos, artistas, "designers" e acima de tudo gente muito criativa e inovadora. O produto final já é menos um edifício funcional mas uma obra de arte total, um gesamtkunstwerk, como lhe chamava Wagner. Daí que os grandes arquitectos de hoje sejam vistos como artistas, o que Frank Gehry tão bem exemplifica quando diz que a sua arquitectura é uma escultura com casa de banho.

Uma tal mudança pressupõe um novo modelo de gestão da obra de arquitectura, coisa que, por exemplo no nosso país, os sistemas de ensino e o corporativismo ainda não entenderam e obstaculizam. A concretização de tais projectos não se limita à produção de um belo edifício, mas é determinada por componentes políticas, económicas e de estratégia global para o qual o saber profissional por si só não é suficiente.

Mas não foi só ao nível da importância social que a arquitectura sofreu grandes mudanças nas últimas décadas. A própria maneira de gerar os objectos alterou-se radicalmente. Quem continue a pensar que o computador, com toda a panóplia de softwares do tipo CAD, 3D e afins, é simplesmente mais uma nova ferramenta, está a ver curto. O desenho assistido por computador permite não só gerar formas muito complexas e originais, mas acima de tudo cria uma realidade totalmente nova. Essa realidade, que num primeiro momento é virtual, pode depois ser testada no espaço real. Ou seja, certas formas que hoje vemos na arquitectura não seriam possíveis de imaginar sem o recurso às novas tecnologias. E aqui projectar torna-se mesmo um ver no futuro.

Os computadores permitem por outro lado desenvolver uma arquitectura não standartizada, já que os processos de fabricos são eles próprios realizados a partir dos mesmos ficheiros digitais do projecto. É isso que torna possíveis as formas extraordinárias de muitos dos edifícios mais espectaculares da actualidade.

Outro aspecto ainda pouco explorado, mas que promete revolucionar ainda mais a arquitectura no futuro, diz respeito à interactividade. E não falo só da domótica e das chamadas casas inteligentes, cuja inteligência é na verdade ainda muito escassa pois raramente passa do acender e apagar lâmpadas ou aquecer automaticamente o jantar no microondas, mas de verdadeira interactividade com os edifícios em si mesmos. Iremos cada vez mais assistir a casas que se movem, alteram a sua forma, cor ou decoração, em função da vontade ou simples presença dos seus residentes. Para o Porto 2001 apresentei o projecto de um edifício que qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, podia mudar de cor via internet. Passe a publicidade. Mas também ninguém mostrou interesse pela coisa.

A arquitectura amiga do ambiente é outro sector em franco crescimento. Desde os aspectos de poupança de energia, utilização de materiais menos agressivos, recicláveis ou produto de reciclagem, ou, a tendência mais interessante, a que aprende com os mecanismos da natureza. Inventar a roda é sempre uma perda de tempo e a vida está cheia de soluções fantásticas de eficácia e inventividade.

A arquitectura, pela sua natureza multidisciplinar, é um vasto campo de recombinação entre conhecimento e criatividade, tecnologia e arte. Aquilo mesmo de que hoje se faz a dinâmica das sociedades e comunidades mais avançadas. Por estes dias, andam por aí muitas exposições sobre a matéria. Vale a pena visitar.

Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio