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O que faz falta

As coisas estão assim. Portugal está mais uma vez metido num grande sarilho mas, a julgar pela algazarra do costume, não se vê como pode sair dele.

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Os partidos estão em campanha, o que muito amplia a já habitual agressividade e irracionalidade. A classe política agita-se ao sabor das multíplices agendas pessoais e de grupo. Sindicatos, associações, entidades de todo o tipo e atividade, empresas, chefes de fila, lacaios, fazem as suas exigências, tentando não perder nada e se possível ainda ganhar alguma coisa no meio da confusão. Os agitadores do costume andam particularmente excitados. Os salvadores da pátria também. Destacado, como sempre, Francisco Louçã apresenta vinte medidas. Não valem um caracol. Nem é isso que se pretende. São puro espetáculo. É só para aparecer todos os dias na TV. Enquanto isso, multidões de jornalistas e comentadores dão a sua opinião ao minuto, no papel, na pantalha, na rádio, no Face e no Twitter, uns simplesmente porque é essa a sua profissão, outros porque imaginam que podem influenciar o curso dos acontecimentos. Ressalve-se que eu próprio não escapo a este alucinado turbilhão.

A crise tem destas coisas. Gera uma imensa barafunda, uma miríade de vozes desencontradas, antagónicas, irrefletidas e mesmo assaz estúpidas nalguns casos. Na crise, o pior e o melhor vem ao de cima. Ainda que, para quem vê os telejornais, possa parecer que só o pior tem voz. Mas pouco importa. No seu conjunto todo este ruído é de parca utilidade. A cacofonia produz adormecimento. A partir de certa altura já ninguém ouve ou presta atenção. Chama-se entropia.

A culpa não é contudo inteiramente nossa. Os portugueses não são piores, nem melhores, do que a maioria daqueles que vivem em sociedades livres. Não é fácil chegar a consensos quando toda a gente pode emitir uma opinião. Há muita ideia à solta, muita vontade de não calar, para já não falar de interesses e visões que se opõem. Veja-se o meu caso. Interesso-me sobretudo pelo desenvolvimento do conhecimento, da ciência, do avanço tecnológico, da cultura. Certas questões, tidas para outros como muito importantes, como o sistema financeiro ou o equilibro das contas públicas, dão-me sono. Porque sempre pensei e penso que o dinheiro existe para servir a civilização e não o contrário. O dinheiro é um meio, não um fim.

Do mesmo modo não partilho desta ideia, repetida à exaustão, que afirma a necessidade imperiosa de uma grande coligação pós-eleitoral entre os maiores partidos. Não vejo porquê. Não vejo nenhuma utilidade na formação de uma nova união nacional. Não vejo nenhuma vantagem em que, nomeadamente, PS e PSD possam coligar-se, esquecendo tudo o que efetivamente os separa. E que é muito, ao contrário do que para aí se diz, sobretudo pela boca daqueles que odeiam a política e os políticos.

O conflito político é positivo. Trata-se de um mecanismo fundamental das sociedades livres. É esse conflito permanente que vai gerando tendências sociais, culturais e económicas. Eliminar essa conflitualidade é estagnar. É cair no marasmo dos consensos medianos. É impor a mediocridade como medida de todas as coisas.

Uma coligação pós-eleitoral entre PS e PSD seria, para além disso, um erro irremediável para estes dois partidos. Só serviria para favorecer os respetivos extremos e aumentar ainda mais o descrédito popular nos políticos e nos partidos. E não traria nenhuma vantagem para o país, particularmente numa altura em existe um programa de governo predefinido pelos contabilistas do FMI.

No atual contexto, uma coligação entre os dois maiores partidos representaria sobretudo uma anestesia social. Ora, o impasse político a que chegámos mostra precisamente que temos um défice sim, mas de dinâmica social. Portugal devia ter mais partidos. À esquerda falta, pelo menos, um partido mais radical do que o PS mas moderno e europeísta. À direita falta claramente um partido assumidamente liberal, mas culto e civilizado. Faltam igualmente alguns pequenos partidos de causas e tendências futuristas. De momento nenhum dos partidos existentes consegue pensar para lá da conjuntura. E, se alguma coisa faz mesmo falta neste tempo de crise é sermos capazes de pensar para lá da vozearia conjuntural.


Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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