Opinião
O PS e a liberdade da comunicação social
Em entrevista publicada neste jornal no dia 4, o ex-provedor do Público Joaquim Vieira não poupou nas palavras para criticar o PS em matéria de comunicação social: "O PS tem má relação com a liberdade de informação", "O PS sempre procurou controlar os órgãos de informação", "O PS sempre tentou fazer alterações legislativas que representassem maior controlo sobre a informação".
Em entrevista publicada neste jornal no dia 4, o ex-provedor do Público Joaquim Vieira não poupou nas palavras para criticar o PS em matéria de comunicação social: "O PS tem má relação com a liberdade de informação", "O PS sempre procurou controlar os órgãos de informação", "O PS sempre tentou fazer alterações legislativas que representassem maior controlo sobre a informação".
Estas afirmações constituem não só uma apreciação injustíssima sobre a orientação histórica do PS, como sobretudo uma lamentável deturpação da verdade.
Não tenho sobre a acção do PS, que sempre acompanhei assumindo maiores ou menores responsabilidades, uma opinião acrítica. Até aos anos 90, o PS partilhou, com as restantes forças partidárias, a responsabilidade pela tradicional governamentalização da RTP. Antes e depois, cometeu evidentemente outros erros.
No entanto, se Portugal é hoje considerado como dos países do Mundo com uma informação mais livre, deve-o, em grande medida, ao PS.
Desde logo na formação do regime democrático. Antes e depois do 25/4, o PS bateu-se por um quadro de liberdade de informação que ficaria gravado no texto constitucional e legal. O PS combateu gravíssimas limitações à liberdade da comunicação social, a ideia de que esta deveria estar ao serviço do PREC, com o silenciamento das vozes discordantes. Recordo o "caso República", a ocupação da RR, os saneamentos no DN, o "documento Jesuíno", o "documento Veloso" com a lista de saneamentos a fazer na RTP…
Com a consolidação da democracia, o PS continuaria a desempenhar um papel decisivo na garantia da liberdade da informação.
Foram da iniciativa de três governos PS (em 1979, 1999 e 2007) a aprovação e os aperfeiçoamentos do Estatuto do Jornalista. Não ignoro que JV é um dos que pensa que o actual texto constitui um retrocesso. Com a legitimidade que tenho por ter sido o principal responsável pela aprovação da elogiada versão de 1999, na sequência da qual Portugal seria classificado, pelos RSF, em 7.º lugar na lista dos países com mais liberdade da comunicação social, considero que as alterações aprovadas pelo Governo Sócrates deram novas garantias aos jornalistas e ultrapassaram algumas falhas então não detectadas (sigilo profissional, regime de buscas, cláusula de consciência, etc.).
Vieira refere ainda que a introdução das televisões privadas e das rádios locais e a privatização do sector público da imprensa não foram da iniciativa do PS. Trata-se apenas de meia verdade.
O início da televisão privada decorre de um consenso entre PSD e PS para a alteração da Constituição, o que permitiria a ambos a apresentação de propostas legislativas nesse sentido. O PS é favorável à TV privada desde 1985, sendo que o PSD, antes disso, apenas propusera a atribuição de um canal à Igreja Católica.
O PS sempre foi favorável às rádios locais, tendo sido responsável, em 1998, pelas primeiras medidas de incentivo a estas empresas. Coube a dois deputados, um do PS e outro do PSD, a primeira iniciativa legislativa para a sua legalização.
O PS não criticou a privatização da imprensa estatizada realizada pelo Governo PSD no final dos anos 80. E até propôs, em 2009, a restrição do acesso à comunicação social pelo Estado fora do serviço público, norma que viria a ser vetada por Cavaco Silva, por não ser de excluir que "na actual conjuntura económica (…) à semelhança do que sucedeu noutros sectores, o Estado ou outras entidades públicas tenham a necessidade imperiosa de intervir neste domínio da vida económica e social"!
"O PS tem uma má relação com a liberdade da informação" - invoca Vieira. Ao ouvir esta boutade, resta-me recordar algumas situações que o Governo PS de que fiz parte encontrou e resolveu nos anos seguintes a 1995, depois de dez anos de governo PSD: nos crimes de difamação, os jornalistas não podiam fazer a prova da verdade dos factos. As violações do direito de acesso às fontes de informação passavam sem sanção. A Alta Autoridade, por ter uma composição governamentalizada, era apelidada de contra a Comunicação Social. SIC e TVI não podiam entrar nos estádios desportivos, nem mesmo para colher imagens de alguns segundos. As populações da Madeira e dos Açores não tinham acesso às emissões dos canais nacionais. A televisão por cabo podia difundir canais estrangeiros, mas não novos canais portugueses. Recordo ainda um episódio triste (a perseguição à TSF) e dois mais caricatos: a tentativa de vedar alguns corredores da Assembleia da República a jornalistas e a proibição de um programa de Herman José. Ou outro, anterior: em 1982, em dois meses e meio, 11 membros do Governo PSD utilizaram o então existente "tempo de antena do Governo" para falar ao País a seguir ao Telejornal …
Finalmente, Vieira critica Sócrates pelas acusações que fez à TVI e ao Público no Congresso do PS. Independentemente do facto de considerar uma vergonha para o jornalismo português aquilo que estes dois órgãos de informação fizeram, parece-me absolutamente inaceitável pretender que um primeiro-ministro deixa, por o ser, de ter liberdade para exprimir a sua indignação por ataques pessoais daquele tipo.
Ex-secretário de Estado com a área da Comunicação Social nos governos de António Guterres de 1995 a 2002, jornalista de 1974 a 1976, fundador do PS e professor universitário, Arons de Carvalho responde às críticas – feitas em entrevista ao Negócios publicada dia 4 de Janeiro – do jornalista e ex-provedor do leitor do “Público” Joaquim Vieira.
*Professor universitário, militante do PS
Estas afirmações constituem não só uma apreciação injustíssima sobre a orientação histórica do PS, como sobretudo uma lamentável deturpação da verdade.
No entanto, se Portugal é hoje considerado como dos países do Mundo com uma informação mais livre, deve-o, em grande medida, ao PS.
Desde logo na formação do regime democrático. Antes e depois do 25/4, o PS bateu-se por um quadro de liberdade de informação que ficaria gravado no texto constitucional e legal. O PS combateu gravíssimas limitações à liberdade da comunicação social, a ideia de que esta deveria estar ao serviço do PREC, com o silenciamento das vozes discordantes. Recordo o "caso República", a ocupação da RR, os saneamentos no DN, o "documento Jesuíno", o "documento Veloso" com a lista de saneamentos a fazer na RTP…
Com a consolidação da democracia, o PS continuaria a desempenhar um papel decisivo na garantia da liberdade da informação.
Foram da iniciativa de três governos PS (em 1979, 1999 e 2007) a aprovação e os aperfeiçoamentos do Estatuto do Jornalista. Não ignoro que JV é um dos que pensa que o actual texto constitui um retrocesso. Com a legitimidade que tenho por ter sido o principal responsável pela aprovação da elogiada versão de 1999, na sequência da qual Portugal seria classificado, pelos RSF, em 7.º lugar na lista dos países com mais liberdade da comunicação social, considero que as alterações aprovadas pelo Governo Sócrates deram novas garantias aos jornalistas e ultrapassaram algumas falhas então não detectadas (sigilo profissional, regime de buscas, cláusula de consciência, etc.).
Vieira refere ainda que a introdução das televisões privadas e das rádios locais e a privatização do sector público da imprensa não foram da iniciativa do PS. Trata-se apenas de meia verdade.
O início da televisão privada decorre de um consenso entre PSD e PS para a alteração da Constituição, o que permitiria a ambos a apresentação de propostas legislativas nesse sentido. O PS é favorável à TV privada desde 1985, sendo que o PSD, antes disso, apenas propusera a atribuição de um canal à Igreja Católica.
O PS sempre foi favorável às rádios locais, tendo sido responsável, em 1998, pelas primeiras medidas de incentivo a estas empresas. Coube a dois deputados, um do PS e outro do PSD, a primeira iniciativa legislativa para a sua legalização.
O PS não criticou a privatização da imprensa estatizada realizada pelo Governo PSD no final dos anos 80. E até propôs, em 2009, a restrição do acesso à comunicação social pelo Estado fora do serviço público, norma que viria a ser vetada por Cavaco Silva, por não ser de excluir que "na actual conjuntura económica (…) à semelhança do que sucedeu noutros sectores, o Estado ou outras entidades públicas tenham a necessidade imperiosa de intervir neste domínio da vida económica e social"!
"O PS tem uma má relação com a liberdade da informação" - invoca Vieira. Ao ouvir esta boutade, resta-me recordar algumas situações que o Governo PS de que fiz parte encontrou e resolveu nos anos seguintes a 1995, depois de dez anos de governo PSD: nos crimes de difamação, os jornalistas não podiam fazer a prova da verdade dos factos. As violações do direito de acesso às fontes de informação passavam sem sanção. A Alta Autoridade, por ter uma composição governamentalizada, era apelidada de contra a Comunicação Social. SIC e TVI não podiam entrar nos estádios desportivos, nem mesmo para colher imagens de alguns segundos. As populações da Madeira e dos Açores não tinham acesso às emissões dos canais nacionais. A televisão por cabo podia difundir canais estrangeiros, mas não novos canais portugueses. Recordo ainda um episódio triste (a perseguição à TSF) e dois mais caricatos: a tentativa de vedar alguns corredores da Assembleia da República a jornalistas e a proibição de um programa de Herman José. Ou outro, anterior: em 1982, em dois meses e meio, 11 membros do Governo PSD utilizaram o então existente "tempo de antena do Governo" para falar ao País a seguir ao Telejornal …
Finalmente, Vieira critica Sócrates pelas acusações que fez à TVI e ao Público no Congresso do PS. Independentemente do facto de considerar uma vergonha para o jornalismo português aquilo que estes dois órgãos de informação fizeram, parece-me absolutamente inaceitável pretender que um primeiro-ministro deixa, por o ser, de ter liberdade para exprimir a sua indignação por ataques pessoais daquele tipo.
Ex-secretário de Estado com a área da Comunicação Social nos governos de António Guterres de 1995 a 2002, jornalista de 1974 a 1976, fundador do PS e professor universitário, Arons de Carvalho responde às críticas – feitas em entrevista ao Negócios publicada dia 4 de Janeiro – do jornalista e ex-provedor do leitor do “Público” Joaquim Vieira.
*Professor universitário, militante do PS
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