Opinião
A RTP e a CIP
A CIP propôs há dias a privatização da RTP. A ideia foi apresentada sem um argumento, nem uma reflexão sobre as suas consequências. A sua concretização teria inevitáveis reflexos no próprio sector privado televisivo: num quadro de estagnação das...
A CIP propôs há dias a privatização da RTP. A ideia foi apresentada sem um argumento, nem uma reflexão sobre as suas consequências.
A sua concretização teria inevitáveis reflexos no próprio sector privado televisivo: num quadro de estagnação das receitas de publicidade dos canais generalistas, face ao crescimento do número e das audiências dos canais de TV paga, à progressiva transferência da publicidade para a Internet e aos novos serviços que a era digital inevitavelmente oferecerá, a chegada de um ou dois novos concorrentes (a RTP tem 2 canais hertzianos…), sem os limites de publicidade a que a RTP é obrigada, seria absolutamente desastrosa para SIC e TVI. Um erro crasso: nem mesmo nos países europeus mais atingidos pela crise tem sido esquecido o papel insubstituível de empresas de capital público nacional no quadro deste sector crescentemente hegemonizado por multinacionais e pelos gigantes das telecomunicações…
Essa privatização constituiria uma péssima notícia para a indústria audiovisual, que tem nos dois principais canais da RTP o seu principal dinamizador.
Ela conduziria ainda a uma tremenda fragilização dos operadores privados de rádio, confrontados com novos concorrentes já com pleno acesso ao mercado publicitário.
Mas visaria a CIP a privatização do serviço público de rádio, que há cerca de 75 anos é financiado através de uma taxa, sem receitas publicitárias? Aparentemente, não lhe ocorreu sequer que a RTP inclui também canais da rádio pública, pelo que a proposta se referirá apenas à privatização da televisão pública. Se assim for, regressar-se-ia à fase anterior à sua integração numa empresa única. E teríamos um custo anual de 50 milhões de euros, relativo ao serviço público de rádio…
Caso desaparecesse o serviço público de televisão, os contribuintes poupariam ainda 250 milhões de euros? Não! Desta verba, todos os anos, cerca de 50 milhões destinar-se-iam, inevitavelmente, ao pagamento das dívidas bancárias da RTP, tal como foi previsto no Acordo de Reestruturação Financeira (2003-2019), de acordo com o qual as receitas de publicidade da RTP1 (metade do tempo dos operadores comerciais) são afectas ao serviço da dívida consolidada. Ou seja, poderiam desaparecer as receitas da publicidade, ou até a empresa, mas manter-se-ia a dívida, herdada da fase do seu subfinanciamento (1992-2003).
Aparentemente, se fosse esta a proposta (extinguir totalmente o serviço público de televisão), o País pouparia cerca de 200 milhões por ano. Mas:
a) Acabavam os canais internacionais da RTP. De facto, por exemplo, a RTPI recebe apenas cerca de 500 mil euros de publicidade, ou seja pouco mais de 1% dessas receitas da RTP. A sua existência apenas se torna possível com os dinheiros dos contribuintes, em nome de uma elementar solidariedade para com os nossos emigrantes e da defesa da lusofonia;
b) Eram igualmente extintas a RTP Açores e a RTP Madeira, que têm bem mais custos que publicidade…;
c)…e também a RTP2, sem publicidade, expressão dos interesses e gostos minoritários, mas sem interesse para os anunciantes.
Acredito que, face a este sombrio panorama, a CIP optaria por propor a manutenção destes serviços na RTP, que afinal não seria totalmente privatizada, ou por concessioná-los a uma qualquer empresa privada, mediante uma verba anual.
Importa todavia lembrar que esta concessão teria de prever um significativo montante para pagar os serviços prestados, acrescido do indispensável lucro. E também que uma enorme percentagem dos programas e da informação dos canais internacionais, regionais, da RTPN, e mesmo da RTP2 no domínio informativo, se baseiam na mera transmissão de programas da RTP1, graças ao trabalho de quase todos os seus profissionais. Apenas 11% da programação da RTP Internacional corresponde a conteúdos produzidos pelo próprio canal. O restante é realizado por outros canais da RTP, especialmente a RTP1 que assegura 71% daquela programação (dados de 2009).
A privatização da RTP1 implicaria um substancial aumento dos custos, nomeadamente de pessoal e de produção, dos outros canais da empresa necessários para realizar aqueles conteúdos…
O País não pouparia qualquer verba significativa, mas perderia muitos dos conteúdos de programação, que as regras do mercado excluem das grelhas dos operadores privados.
Mesmo sendo, até em percentagem do PIB, um dos mais baratos da Europa, o serviço público de rádio e televisão deve dar o exemplo de rigor e parcimónia nos custos. Mas nada disto desculpa a infundamentada proposta da CIP - um tremendo sinal de atrevida ignorância e leviana demagogia.
Professor universitário, ex-deputado do PS
A sua concretização teria inevitáveis reflexos no próprio sector privado televisivo: num quadro de estagnação das receitas de publicidade dos canais generalistas, face ao crescimento do número e das audiências dos canais de TV paga, à progressiva transferência da publicidade para a Internet e aos novos serviços que a era digital inevitavelmente oferecerá, a chegada de um ou dois novos concorrentes (a RTP tem 2 canais hertzianos…), sem os limites de publicidade a que a RTP é obrigada, seria absolutamente desastrosa para SIC e TVI. Um erro crasso: nem mesmo nos países europeus mais atingidos pela crise tem sido esquecido o papel insubstituível de empresas de capital público nacional no quadro deste sector crescentemente hegemonizado por multinacionais e pelos gigantes das telecomunicações…
Ela conduziria ainda a uma tremenda fragilização dos operadores privados de rádio, confrontados com novos concorrentes já com pleno acesso ao mercado publicitário.
Mas visaria a CIP a privatização do serviço público de rádio, que há cerca de 75 anos é financiado através de uma taxa, sem receitas publicitárias? Aparentemente, não lhe ocorreu sequer que a RTP inclui também canais da rádio pública, pelo que a proposta se referirá apenas à privatização da televisão pública. Se assim for, regressar-se-ia à fase anterior à sua integração numa empresa única. E teríamos um custo anual de 50 milhões de euros, relativo ao serviço público de rádio…
Caso desaparecesse o serviço público de televisão, os contribuintes poupariam ainda 250 milhões de euros? Não! Desta verba, todos os anos, cerca de 50 milhões destinar-se-iam, inevitavelmente, ao pagamento das dívidas bancárias da RTP, tal como foi previsto no Acordo de Reestruturação Financeira (2003-2019), de acordo com o qual as receitas de publicidade da RTP1 (metade do tempo dos operadores comerciais) são afectas ao serviço da dívida consolidada. Ou seja, poderiam desaparecer as receitas da publicidade, ou até a empresa, mas manter-se-ia a dívida, herdada da fase do seu subfinanciamento (1992-2003).
Aparentemente, se fosse esta a proposta (extinguir totalmente o serviço público de televisão), o País pouparia cerca de 200 milhões por ano. Mas:
a) Acabavam os canais internacionais da RTP. De facto, por exemplo, a RTPI recebe apenas cerca de 500 mil euros de publicidade, ou seja pouco mais de 1% dessas receitas da RTP. A sua existência apenas se torna possível com os dinheiros dos contribuintes, em nome de uma elementar solidariedade para com os nossos emigrantes e da defesa da lusofonia;
b) Eram igualmente extintas a RTP Açores e a RTP Madeira, que têm bem mais custos que publicidade…;
c)…e também a RTP2, sem publicidade, expressão dos interesses e gostos minoritários, mas sem interesse para os anunciantes.
Acredito que, face a este sombrio panorama, a CIP optaria por propor a manutenção destes serviços na RTP, que afinal não seria totalmente privatizada, ou por concessioná-los a uma qualquer empresa privada, mediante uma verba anual.
Importa todavia lembrar que esta concessão teria de prever um significativo montante para pagar os serviços prestados, acrescido do indispensável lucro. E também que uma enorme percentagem dos programas e da informação dos canais internacionais, regionais, da RTPN, e mesmo da RTP2 no domínio informativo, se baseiam na mera transmissão de programas da RTP1, graças ao trabalho de quase todos os seus profissionais. Apenas 11% da programação da RTP Internacional corresponde a conteúdos produzidos pelo próprio canal. O restante é realizado por outros canais da RTP, especialmente a RTP1 que assegura 71% daquela programação (dados de 2009).
A privatização da RTP1 implicaria um substancial aumento dos custos, nomeadamente de pessoal e de produção, dos outros canais da empresa necessários para realizar aqueles conteúdos…
O País não pouparia qualquer verba significativa, mas perderia muitos dos conteúdos de programação, que as regras do mercado excluem das grelhas dos operadores privados.
Mesmo sendo, até em percentagem do PIB, um dos mais baratos da Europa, o serviço público de rádio e televisão deve dar o exemplo de rigor e parcimónia nos custos. Mas nada disto desculpa a infundamentada proposta da CIP - um tremendo sinal de atrevida ignorância e leviana demagogia.
Professor universitário, ex-deputado do PS
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