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12 de Novembro de 2010 às 12:42

O Juiz, o Festival, e a Memória Colectiva

Arrancou no Estoril, na passada sexta-feira dia 5, a quarta edição do Estoril Film Festival

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Arrancou no Estoril, na passada sexta-feira dia 5, a quarta edição do Estoril Film Festival, que decorre até domingo próximo em diversos locais do concelho de Cascais - do "Salão Preto e Prata", do Casino do Estoril, à "Casa das Histórias" de Paula Rego, em plena cidadela. No cinema, a programação inclui, em competição, trabalhos de Thomas Arslan, Marc Fitoussi e João Nicolau (com "A espada e a rosa") e, num "cartaz mais consagrado", fora de competição, "The American", de Anton Corbijn, "Tournée", de Mathieu Amalric, e ainda "Copie Conforme", de Abbas Kiarostami.

Esta linha de programação do Festival cruza-se com um conjunto ecléctico de iniciativas complementares, onde se destacam as homenagens a Marisa Paredes ou a Roman Polanski, a exposição de fotografias de Lou Reed, de título "Romanticism", ou a leitura de textos do autor norte-americano Don DeLillo, por Laurie Anderson. Há ainda um conjunto de "masterclasses" que inclui alguns dos artistas em mostra (casos de Lou Reed, Abbas Kiarostami ou Anton Corbijn), ou a presença dos mediáticos e insuspeitos John Malkovich e Stephen Frears, para uma palestra conjunta - cruzaram-se com estrépito em "Ligações Perigosas", em 1988).

Brilham estas, mas também outras constelações, porventura mais inusitadas. No passado dia 7, apresentou-se no Estoril para uma conferência sobre a importância das imagens na memória colectiva, o juiz espanhol Baltasar Garzón, acompanhando a projecção de três documentários: "El alma de los verdugos" e "Las Tinieblas del poder", de Vicente Romero com colaboração do próprio Baltasar Garzón, e ainda "El caso Pinochet", de Patricio Guzmán (as películas foram exibidas no dia 6). Estas obras revelam e exploram, sem temor, temas como a tortura ou o homicídio político, desde a rede infernal de ditaduras, como a de Augusto Pinochet, às subtilezas sádicas das prisões de Abu Grahib ou Guantánamo, e outros centros de detenção em território, por exemplo, Americano.

Baltasar Garzón não granjeou fama a vender bilhetes nem a fazer discursos; ficou conhecido como o "Juiz Estrela" devido ao mediatismo da sua determinação quando, em 1990, ordenou a detenção do já mencionado Pinochet; procurou Justiça para as vítimas da ditadura argentina e da democracia americana, denunciando as detenções ilegais de Guantánamo. Destacando-se, também, na luta contra a ETA, desde 2008 que procura restaurar a dignidade das vítimas da guerra civil espanhola, investigando os crimes do Franquismo - nas valas comuns espalhadas por toda a Espanha, cuja abertura ordenou, estavam demasiados cadáveres de republicanos, que as suas famílias não tinham ainda podido reencontrar.

O Juiz foi suspenso pelo Conselho Geral do Poder Judiciário Espanhol em Maio de 2008, por querer investigar as amnistias dadas a vários crimes do Franquismo. Mas a sua obra continua - em entrevista conduzida por Paulo Moura ao "Público" do passado dia 8 de Novembro, afirmava: "As imagens, os documentos cinematográficos, são determinantes em processos de recuperação da memória colectiva (...); um filme sobre a ditadura argentina ou Pinochet tem mais impacto junto das pessoas do que uma investigação judicial - e cria consciência para que, quando se iniciar uma investigação sobre esses factos, os cidadãos estejam lá para exigir que ela se faça".

Veio-me à memória Humberto Delgado e o seu assassinato, depois da campanha férrea de 1958 contra a Ditadura, e tudo aquilo que ainda não sabemos sobre as atrocidades várias da nossa História recente, antagónicas a essa mentira que é a "teoria dos brandos costumes".




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