Opinião
O "fim" do Imposto do Selo sobre os aumentos de capital
Face a algumas decisões proferidas recentemente pelos nossos tribunais tributários e a uma inaudita diminuição de garantias por via legislativa (entre as quais se destaca o fim, em termos práticos, do prazo de prescrição), é caso para dizer que quase só d
Este Acórdão do TJCE pode vir a ditar, a curto prazo, o fim do Imposto do Selo nos aumentos de capital, tal como aconteceu relativamente aos emolumentos do Registo Comercial "desproporcionados", na sequência do Acórdão Modelo Continente (também baseado na Directiva sobre as reuniões de capitais).
Contrariamente ao que acontecia nos emolumentos, o argumento da inconstitucionalidade (por violação dos princípios da proporcionalidade e da reserva de lei) parece ser pouco sustentável no caso do Imposto do Selo sobre os aumentos de capital.
Os emolumentos em vigor até de 2001 (que vieram a ser substituídos pelo Imposto do Selo) constituíam um verdadeiro imposto, dada a enorme desproporção que havia entre o serviço prestado e o tributo, pelo que só poderiam ter sido estabelecidos pela Assembleia da República ou pelo Governo no uso de autorização legislativa, o que não aconteceu no caso (a tabela de emolumentos constava Portaria).
O caso do Imposto do Selo é diferente, na medida em que, como o próprio nome indica, estamos perante um imposto e foi respeitada a reserva de lei na criação de respectiva norma de incidência (nº 26 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo).
O que houve é um desrespeito do direito comunitário que, como o TJCE agora estabeleceu, resulta do facto de Portugal não ter estabelecido disposições derrogatórias no acto de adesão às Comunidades Europeias que lhe permitissem manter ou instituir uma tributação em Imposto do Selo (ou outro imposto indirecto) sobre as entradas de capital.
Às empresas que, como é compreensível, ainda não tenham impugnado as liquidações de Imposto do Selo, vai colocar-se agora a questão do prazo de reacção.
Logo a seguir ao Acórdão Modelo Continente, houve uma corrente jurisprudencial que admitiu que o reembolso poderia ser pedido dentro do prazo de caducidade de quatro anos, por considerar a liquidação de emolumentos era nula por em razão da sua inconstitucionalidade e/ou de contrariedade ao direito comunitário.
Esta corrente jurisprudencial, que ameaçava tonar-se numa verdadeira "sangria" de receita para o Estado (parte dela afecta ao Ministério da Justiça), veio a ser invertida em 2002, em vários Acórdãos do STA que, por considerarem que a violação do direito comunitário apenas determina a anulabilidade do acto tributário, entenderam que o prazo era de 90 dias contados desde a liquidação do imposto (prazo de impugnação).
Confrontados com esta jurisprudência, as empresas recorreram então ao mecanismos da revisão oficiosa do artigo 78º da LGT, preceito que estatui que a revisão pode ser feita administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços.
Nos processos que entretanto foram chegando aos tribunais por força do indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa (em regra tácito, ao fim de seis meses), as empresas alegavam que existia um "erro imputável aos serviços" na liquidação de emolumentos: uma vez que, desde logo, e face ao direito comunitário, tal liquidação não poderia ter tido lugar e que mesma não era da responsabilidade da empresa que foi forçada a pagar os emolumentos, mas da Administração Tributária (AT).
No dia 27 de Outubro de 2004, o Supremo Tribunal Administrativo (no processo nº 627/04) veio sufragar esta tese concluindo que a revisão oficiosa era o meio processual adequado, entre outras razões por considerar que os poderes da AT para apreciar os pedidos de revisão não são discricionários, mas vinculados.
Esta jurisprudência parece-nos correcta e entendemos que há argumentos acrescidos para a sua aplicação aos pedidos de revisão oficiosa das liquidações de Imposto do Selo dos aumentos de capital que venham a ser efectuados, isto pelas seguintes razões:
– No caso do Imposto do Selo é inquestionável a aplicação da Lei Geral Tributária (ao contrário dos emolumentos, que alguns sustentavam ter natureza de taxas);
– Mais, em nosso opinião, a negação pelos tribunais do meio processual da revisão oficiosa como adequado, equivaleria a uma violação da ordem jurídica comunitária, dado que os tribunais nacionais têm a obrigação de interpretar e aplicar a lei interna por forma a garantir, em toda a medida do possível, a vigência efectiva do direito comunitário. Ou seja negação da admissibilidade do meio processual implicaria o incumprimento do principio da efectividade, que é um principio basilar do próprio quadro jurídico comunitário que, felizmente, vai cada vez mais regendo a fiscalidade das empresas.