Opinião
O fim da Constituição europeia, mais uma baixa para a democracia
Neste final de semana com eventual prolongamento para sábado o Conselho Europeu vai recorrer a um subterfúgio para não ter de referendar o documento minimalista que irá – pelo menos pelos tempos mais próximos – meter na gaveta a Constituição europeia.
A proposta de inspiração franco-alemã assume-se como uma emenda aos tratados de Maastricht e de Nice e não como uma míni Constituição que substituísse a chumbada em 2005 em referendos realizados em vários países, designadamente na França e Holanda. O "chumbo" nestes dois Estados levou ao cancelamento de outros referendos tornados inúteis pelos nãos da França e Holanda.
O assunto foi "esquecido" por alguns anos para ser desenterrado com novo fôlego da presidência alemã e a eleição de Nicholas Sarkozy, um acérrimo defensor da Constituição europeia. Mas desenterrar uma Constituição, mesmo uma míni Constituição iria implicar novos referendos. E mesmo que o actual documento deixe de lado questões como um hino e uma bandeira europeia e consideráveis transferências de soberania para Bruxelas a sua aprovação está longe de ser pacífica, quer no Conselho Europeu que teve inicio quinta-feira, quer nos eleitorados. Daí o recurso à sua definição como uma emenda aos tratados de Maastricht e de Nice o que permite a sua aprovação pelos Parlamentos Nacionais em substituição dos referendos.
A democracia foi a primeira baixa desta manobra que, no momento em que estas linhas são escritas ainda não se sabe como vai acabar.
As alterações polémicas estão no processo de decisão alterando o de Nice, que a Alemanha, França e outros querem manter, ou seja o voto favorável de 55 por cento dos países, num mínimo de 15, desde que representem 65 por cento da população. A recém-chegada Polónia recusa esta fórmula, na verdade uma recusa que tem mais a ver com o seu contencioso histórico com a Alemanha de quem, na realidade depende economicamente e constitui um importante mercado. Outra das polémicas prende-se com a PESC (Politica Externa e de Segurança Comuns) e a existência formal de um ministro dos Negócios Estrangeiros também vice-presidente da Comissão Europeia. Isso implicaria a transferência de soberania para Bruxelas, o que Londres recusa, como recusa também a Carta dos Direitos Fundamentais, um pilar da construção europeia, porque este se irá sobrepor ao Parlamento em matéria de direito social e por isso pretende ver limitada.
Nesta fase ninguém parecia disposto a concessões embora Tony Blair não se queira retirar da política – este é o seu último Conselho Europeu – sob uma nota negativa. Contudo uma concessão implicará a abertura das portas à renegociação da emenda aos tratados.
José Sócrates que agora assumirá a presidência não quer manchar a reputação de eficiência das presidências portuguesas recebendo da Alemanha um dossier em aberto, e já advertiu a Polónia sobre a sua intransigência aparente. Portugal tem uma agenda que se liga com a cimeira euro africana, o seguimento da agenda de Lisboa e herdar da presidência alemã as emendas aos tratados será um escolho difícil de contornar, muito especialmente quando lhe sucede a Eslovénia, uma presidência inaugural e pouco aberta e só em 2008 o assunto poderia transitar dos portugueses para os franceses, mais fortes, experientes e empenhados nas emendas.