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O euro e o regime

O regime fez 36 anos esta semana. Cada ano, por altura do 25 de Abril, somos lembrados da sua legitimidade política e social. O fim do fascismo e a Europa. Porque a estagnação económica e social que vivemos desde 2000 não dá para...

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O regime fez 36 anos esta semana. Cada ano, por altura do 25 de Abril, somos lembrados da sua legitimidade política e social. O fim do fascismo e a Europa. Porque a estagnação económica e social que vivemos desde 2000 não dá para mais.

O fim do fascismo luta contra o tempo. Como lembrou o meu amigo António Barreto no ano passado, seria como pedir ao governo alemão em 1981 que justificasse a sua legitimidade com a derrota de 1945. Ou ouvir o candidato republicano McCain dizer, em 2008, que merecia ganhar as eleições presidenciais porque foi o seu partido, e não o partido de Obama, que resolveu a guerra do Vietname (na verdade, o partido de Obama começou a guerra). Já nem Salazar, no seu discurso dos 40 anos da Revolução Nacional, em 1966, em plena guerra colonial, justificava o seu regime com a Primeira República (falava, sim, daquilo que na perspectiva dele eram os grandes avanços do Estado Novo, sem nunca mencionar o regime anterior).

Mas as elevadas e crescentes taxas de abstenção eleitoral, a qualidade muito limitada da nossa democracia (porque o regime saído do 25 de Abril não é a única democracia possível), a profunda crise da justiça, a falta de credibilidade da classe política em geral e a corrupção instalada levaram inevitavelmente o regime a legitimar-se com a Europa. A adesão em 1986, o Mercado Único em 1992 (esquecidos que estamos já da propaganda cavaquista que anunciava bem-estar social de nível europeu para todos os portugueses nessa data), o euro em 1999 (o fim dos nossos problemas económicos), a Agenda de Lisboa em 2000 (seremos parte da economia mais competitiva e mais moderna do mundo), o Tratado de Lisboa em 2009 (porreiro, pá).

Vivemos neste momento uma situação económica muito delicada. Ninguém sabe muito bem o que nos espera. São os mercados financeiros que vão decidir se Portugal é ou não igual à Grécia. O prémio Nobel Stiglitz (adorado pela esquerda bem pensante) dizia mesmo no "El País" da semana passada que a Grécia seria o Bear Stearns (o banco que foi resgatado) e Portugal o Lehman Brothers (o banco que faliu meses mais tarde) desta crise. O fim do sonho europeu em Portugal vai colocar o regime numa situação muito complicada. Será certamente o maior desafio enfrentado pelo regime desde 1974.

O actual regime não pode contemplar qualquer saída do euro. A sua legitimidade política ficaria muito comprometida. Mas a manutenção de um pesadelo europeu por dez anos (com outra década de estagnação económica e uma forte contenção salarial e das prestações sociais) ou o regresso da Alemanha ao marco alemão (e o consequente fim do euro) provocará também uma erosão muito significativa dessa legitimidade. Veremos se, a seu tempo, à esquerda do PS ou à direita do PSD, o discurso anti-regime pode levar a ganhos eleitorais tão importantes que obriguem a uma reforma profunda. Por enquanto, o regime afoga-se no pântano que criou, invocando a memória de quem viveu em liberdade o 25 de Abril e o sonho europeu que termina em pesadelo.


PS. Tal como aqui escrevi, continuo a entender que o pagamento de uns quantos milhões de euros em prémios e bonificações a uns quantos gestores de empresas intervencionadas pelo Estado é obsceno. Mas parece-me que a intervenção do Governo foi desastrosa, senão mesmo hipócrita. Não se tratou de um programa estruturado, mas apenas uma reacção pontual, certamente para eleitor ver. A ineficiência desses prémios e bonificações deve ser corrigida pela via fiscal, e não por recomendações às comissões de remunerações, porque é uma questão de bem-estar social, e não um problema de desempenho empresarial. O PEC teria sido o instrumento certo, mas nessa altura, curiosamente, o Governo não andava preocupado com os prémios e bonificações.

PS2. Respondendo ao apelo do Governo, muitos portugueses patriotas dedicam-se a encher com insultos as caixas de comentários dos jornais internacionais que falam da grave situação de Portugal. O meu favorito é "voices of donkey do not get to the sky."



Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com
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