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08 de Outubro de 2009 às 11:49

O clube dos incorrigíveis optimistas

Acabo de regressar de Estocolmo onde dei o passo final dos quatro anos e meio da minha primeira - e muito provavelmente também última - experiência parlamentar. Ao longo deste período, o exercício da vice-presidência da Comissão de Assuntos Europeus da...

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Acabo de regressar de Estocolmo onde dei o passo final dos quatro anos e meio da minha primeira - e muito provavelmente também última - experiência parlamentar. Ao longo deste período, o exercício da vice-presidência da Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República levou-me a participar em reuniões com os parlamentos dos outros Estados-membros da União Europeia, "saltando" de país em país ao ritmo da sucessão das presidências europeias.

Tenho por hábito levar sempre em viagem um livro novo, normalmente escolhido nos minutos que antecedem a partida para o aeroporto, que funciona como um poderoso antídoto para combater o desconforto dos aviões e os ambientes frios da maioria dos hotéis. Desta vez coube-me em sorte o recente livro de Jean-Michel Guenassia, um dos oito candidatos ao Goncourt 2009, a quem fui "roubar" o título. Embora não seja fácil (sobretudo quando falamos de parlamentos…), sinto-me um bocadinho parte desse clube. Sou incorrigivelmente optimista relativamente à Europa, ao que ela já fez e, sobretudo, ao que pode ainda fazer; mas também o sou quanto ao papel que pode e deve ser desempenhado pelos parlamentos.

Num momento em que o parlamento português volta a ganhar um papel central no exercício da actividade política (nada como uma maioria absoluta para transformar uma assembleia num objecto essencialmente decorativo…), decidi aproveitar a minha "despedida" para desafiar o "politicamente correcto".

Mais do que um excesso de deputados (a título de exemplo, diga-se apenas que um dos parlamentos cuja actividade é tantas vezes enaltecida, o sueco, tem, num país com cerca de 9 milhões de habitantes, 349 membros…), a nossa assembleia tem sessões plenárias e televisão a mais e um défice de condições de trabalho. Podemos, é certo, diminuir o número de deputados. Podemos também redesenhar os círculos eleitorais, com círculos mais ou menos uninominais e um círculo nacional com maior ou menor peso. Mas, por si só, isso nada resolve, se não alterarmos substancialmente a forma de "parlamentar".

Três sessões plenárias semanais são um manifesto exagero (uma semana mensal de plenário, como no Parlamento Europeu, bastaria) e objectivamente "distraem" a Assembleia das suas principais funções: controlar, de facto, a acção dos governos e legislar. Perdi a conta às vezes em que os mesmos temas, argumentos e apartes se repetiram num exercício vazio de retórica parlamentar que pouco ou nada diz à maioria dos cidadãos, quando seria muito mais útil que esse tempo fosse dedicado a uma análise e discussão sérias dos projectos, propostas e relatórios que diariamente entram no Parlamento.

O verdadeiro centro nevrálgico da discussão das iniciativas legislativas e do controlo da acção governativa deve estar nas comissões parlamentares. Mas para que estas possam ser eficazes existem duas condições indispensáveis: a criação de estruturas de apoio adequadas ao trabalho dos deputados (a comparação com o que se passa noutros parlamentos a este nível chega a ser confrangedora…) e a alteração da política de "transparência" que progressivamente tem feito com que o "parecer" seja muito mais importante do que o "ser".

Sem a assessoria adequada (a nível do Parlamento, mas também dos círculos eleitorais, onde, aliás, os deputados deveriam ter um gabinete de apoio em permanência) vamos continuar a assistir à crescente deficiência técnica do processo legislativo. Custa dinheiro, é certo. Mas o custo para o País de um controlo deficiente da actividade governativa e de leis discutidas e aprovadas à pressa é bem maior…

É um erro pensar que a retransmissão pública de uma dada sessão de uma comissão parlamentar (o mesmo vale, por exemplo, para as reuniões das diferentes formações do Conselho de Ministros europeu) aproxima os cidadãos daqueles que elegeram e confere mais transparência ao exercício da actividade política. Pelo contrário, transforma o acessório em essencial, abrindo a porta a um exercício muitas vezes puramente teatral para consumo externo e de pouca ou nenhuma utilidade para a resolução dos problemas das pessoas. Transparência é outra coisa. É explicar o que se pretende, o que se fez e como se fez. Eu sei que não é fácil fechar uma porta que se abriu de par em par. Mas é para isso que os incorrigíveis optimistas são necessários…

Advogado
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