Opinião
Novembro
(Onde se recorda que o 11º mês do calendário gregoriano é fatídico para os comunistas e que o 25/11/75 é que abriu o caminho para a democracia portuguesa).
Para os marxistas-leninistas de todos as variantes e adjectivações, o 7 deste mês é dia de velinhas, foguetes, cânticos e encantamentos. Realmente, a famosa Revolução de Outubro de 1917 afinal foi em Novembro, e já só por esta dissimulação o carácter pérfido da ideologia ressalta com clareza (1).
Tudo está “documentado” no famoso “Outubro” do genial Eisenstein nas suas diversas versões, retalhadas, remontadas e viciadas, numa exibição do chamado “realismo socialista” que por ser socialista é tudo menos realista. Realmente, o resultado final, um “redux” estalinista(2), faz desaparecer Trotsky, um humanitário, e esbater Lenine, um benemérito, enaltecendo, antes, o Pai dos Povos(3).
Vários milhões de mortos e encarcerados mais tarde, Novembro voltou a aparecer no universo comunista, agora com exorcismos e abrenúncios: No dia 9/11/ 89, o Muro de Berlim foi derrubado, e com ele o sinistro sistema que ele representava e monumentalizava. Fez agora 20 anos.
Num confronto de símbolos e representações, todos viam o confronto da democracia liberal capitalista com o totalitarismo soviético, ali nas duas Alemanhas, frente a frente , sem possibilidade de embustes para quem pudesse e quisesse ver. Era o mundo dos delatores (1 em cada 6 “osters” eram informadores da Stasi, afinal uma boa base social de apoio) contra o dos homens livres; e se pudéssemos por os sistemas económicos num stand de automóveis (mesmo para tanto sacrificando a presença daquelas “pin-ups” bem melhores que as “máquinas”), veríamos o Trabant com motor a dois tempos face a um BMW 6 cilindros. Uma demonstração vale bem uma teoria.
Dá-me ainda para relembrar o pormenor patético que fez diluir o regime, as polícias e os tanques, numa última demonstração dos pés de barro onde tudo assentava:
O desabamento já ocorria há dois meses, quando a Hungria abriu as fronteiras . Os alemães de Leste puseram-se logo a votar com os pés, num total de 250.000 fugas. O governo da RDA, procurando controlar o descalabro, anunciou legislação para regulamentar saídas para o estrangeiro. Porém, o ministro que anunciou a notícia fez uma leitura precipitada do decreto e declarou que as fronteiras ficariam abertas a partir desse momento, deixando a ideia errada de não haver limitações. Foi pernas para que te quero …
Irónico que o sistema que controlava milhões num imenso espaço euro-asiático, tenha iniciado a implosão com um erro burocrático.
E, finalmente, chegamos ao aniversário que ocorreu ontem, a 25 de Novembro, quase despercebidamente, o da vitória militar das forças democráticas sobre os “putschistas” comunistas e ultra esquerdistas que durante o famoso PREC tentaram implantar uma outra ditadura. Apesar do continuado branqueamento, o 25 de Abril não foi o da implementação da liberdade, mas o derrube de uma ditadura, um passo necessário mas não suficiente. Quem viveu esses tempos sabe bem como esteve eminente uma tomada de poder leninista, a que se opôs, principalmente, a esquerda democrática, militar e civil, suportada pelas forças conservadoras. Eu e os do meu tempo vivemos o que pode ter sido o maior saneamento político de sempre, incluindo prisões arbitrárias, em todos os ramos da vida social, tendo em conta que tudo ocorreu em pouco mais de um ano. Curiosamente ou talvez não, a coreografia do assalto ao poder seguiu quase a par e passo a da revolução soviética, desde a queda do Czar até ao 7 de Novembro de 1917(4).
A liberdade apareceu, sim, mas a 25 de Novembro, e os líderes nos vários pontos-chave foram Mário Soares, Melo Antunes, Ramalho Eanes e Jaime Neves. A não esquecer.
Moralidade da história: Ainda bem que “os amanhãs que cantam” ficam, por auto-definição, sempre para o dia seguinte.
(1) Veja-se, por exemplo, que patrão ou lacaio do patronato consegue reparar que a baixa fraudulenta por doença dum militante foi afinal para ir beber umas jeropigas comemorativas à sede do PC.
(2) Ao contrário do que se pensa, Estaline foi sempre muito bem visto pela extrema-direita. Afinal, foi o homem que deliberadamente mais comunistas matou.
(3) Não é piada provocatória, acreditem. Estaline era assim tratado pelos fiéis em todo o mundo que, porém, por sorte, acabou órfão. Ah! Se alguém individualmente desencadeou a revolução esse foi mesmo Trotsky e, como se não bastasse ter acabado com um picador de gelo na cabeça, foi “saneado” no filme sobre o evento que ele protagonizou.
(4) Quem fala de “cartilha”, se calhar tem razão, até porque na Europa de Leste,a seguir à 2ª Guerra Mundial, a metodologia foi a mesma.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à sexta-feira
Tudo está “documentado” no famoso “Outubro” do genial Eisenstein nas suas diversas versões, retalhadas, remontadas e viciadas, numa exibição do chamado “realismo socialista” que por ser socialista é tudo menos realista. Realmente, o resultado final, um “redux” estalinista(2), faz desaparecer Trotsky, um humanitário, e esbater Lenine, um benemérito, enaltecendo, antes, o Pai dos Povos(3).
Num confronto de símbolos e representações, todos viam o confronto da democracia liberal capitalista com o totalitarismo soviético, ali nas duas Alemanhas, frente a frente , sem possibilidade de embustes para quem pudesse e quisesse ver. Era o mundo dos delatores (1 em cada 6 “osters” eram informadores da Stasi, afinal uma boa base social de apoio) contra o dos homens livres; e se pudéssemos por os sistemas económicos num stand de automóveis (mesmo para tanto sacrificando a presença daquelas “pin-ups” bem melhores que as “máquinas”), veríamos o Trabant com motor a dois tempos face a um BMW 6 cilindros. Uma demonstração vale bem uma teoria.
Dá-me ainda para relembrar o pormenor patético que fez diluir o regime, as polícias e os tanques, numa última demonstração dos pés de barro onde tudo assentava:
O desabamento já ocorria há dois meses, quando a Hungria abriu as fronteiras . Os alemães de Leste puseram-se logo a votar com os pés, num total de 250.000 fugas. O governo da RDA, procurando controlar o descalabro, anunciou legislação para regulamentar saídas para o estrangeiro. Porém, o ministro que anunciou a notícia fez uma leitura precipitada do decreto e declarou que as fronteiras ficariam abertas a partir desse momento, deixando a ideia errada de não haver limitações. Foi pernas para que te quero …
Irónico que o sistema que controlava milhões num imenso espaço euro-asiático, tenha iniciado a implosão com um erro burocrático.
E, finalmente, chegamos ao aniversário que ocorreu ontem, a 25 de Novembro, quase despercebidamente, o da vitória militar das forças democráticas sobre os “putschistas” comunistas e ultra esquerdistas que durante o famoso PREC tentaram implantar uma outra ditadura. Apesar do continuado branqueamento, o 25 de Abril não foi o da implementação da liberdade, mas o derrube de uma ditadura, um passo necessário mas não suficiente. Quem viveu esses tempos sabe bem como esteve eminente uma tomada de poder leninista, a que se opôs, principalmente, a esquerda democrática, militar e civil, suportada pelas forças conservadoras. Eu e os do meu tempo vivemos o que pode ter sido o maior saneamento político de sempre, incluindo prisões arbitrárias, em todos os ramos da vida social, tendo em conta que tudo ocorreu em pouco mais de um ano. Curiosamente ou talvez não, a coreografia do assalto ao poder seguiu quase a par e passo a da revolução soviética, desde a queda do Czar até ao 7 de Novembro de 1917(4).
A liberdade apareceu, sim, mas a 25 de Novembro, e os líderes nos vários pontos-chave foram Mário Soares, Melo Antunes, Ramalho Eanes e Jaime Neves. A não esquecer.
Moralidade da história: Ainda bem que “os amanhãs que cantam” ficam, por auto-definição, sempre para o dia seguinte.
(1) Veja-se, por exemplo, que patrão ou lacaio do patronato consegue reparar que a baixa fraudulenta por doença dum militante foi afinal para ir beber umas jeropigas comemorativas à sede do PC.
(2) Ao contrário do que se pensa, Estaline foi sempre muito bem visto pela extrema-direita. Afinal, foi o homem que deliberadamente mais comunistas matou.
(3) Não é piada provocatória, acreditem. Estaline era assim tratado pelos fiéis em todo o mundo que, porém, por sorte, acabou órfão. Ah! Se alguém individualmente desencadeou a revolução esse foi mesmo Trotsky e, como se não bastasse ter acabado com um picador de gelo na cabeça, foi “saneado” no filme sobre o evento que ele protagonizou.
(4) Quem fala de “cartilha”, se calhar tem razão, até porque na Europa de Leste,a seguir à 2ª Guerra Mundial, a metodologia foi a mesma.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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