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16 de Setembro de 2005 às 13:59

Never Ever Land

O verdadeiro charlatão não é aquele que vende gato por lebre. O verdadeiro charlatão é o que vende nada, absolutamente nada, por lebre!

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Projectos de nada

Pelintra mandara fazer um bonito prospecto, anunciando os T3, T4 e T5, com piscina e zonas relvadas, num sítio paradisíaco a poucos metros do mar. Lá no terreno, podia ver-se a placa gigantesca que anunciava o início da construção para breve e enquadrava o condomínio turístico numa zona que iria possuir hotéis, restaurantes, comércio, transportes... tudo!

Lá longe, António tinha recebido o prospecto pelo correio e apressava-se a mostrar aquele paraíso à sua mulher. Trinta anos em França eram tempo suficiente. Os filhos já estavam crescidos e com as suas vidas arrumadas. Era tempo de regressar ao seu país. Ainda por cima, agora que poderia ter a casinha dos seus sonhos junto ao mar.

António entrou em contacto com Pelintra e combinou tudo. Tinha que se despachar porque a procura era muita e já havia poucas casas para vender – apesar de tudo não passar ainda de um projecto. O argent de entrada seria retirado do próprio Banco que se preparava para financiar uma parte do empreendimento (conseguido a troco da hipoteca dos terrenos); era ali que António tinha posto as poupanças de uma vida, aproveitando os juros galopantes dos anos 70 e 80.

Pelintra estudara bem a coisa: ir buscar o dinheiro exactamente ao Banco que sabia recolher mais poupanças dos emigrantes. Assim, teria o apoio de um canal de distribuição credível, uma vez que ao Banco lhe interessava que houvesse um máximo de clientes para o empreendimento.

Os contratos de promessa foram celebrados. Muitos em duplicado sobre a mesma coisa!

Depois, foi só esperar. Esperar, esperar, esperar... O raio do empreendimento nunca mais era construído. Parece que havia um problema com o licenciamento – aquilo era reserva protegida pá! De Pelintra nada se sabia. Os emigrantes também não podiam passar a vida a vir a Portugal para tratar do assunto. O Banco, esse, executou a hipoteca e foi à sua vida – parece que o bancário que tratou do empréstimo também já tinha ido à dele...

Pelintra, esse, morou uns tempos no Brasil e depois regressou, pavoneando-se agora num fabuloso AC Cobra 289 e envergando um fabuloso Zenith Class Elite Automatique Réserve de marche (de empreiteiro não tinha nada!) – confiava na prescrição do processo nos Tribunais portugueses.


Promoções de nada

António (outro que não o anterior), bebia calmamente a sua cerveja no bar habitual, quando se apercebeu de uma conversa entre dois homens que lhe chamou a atenção. Tratava-se da entrega de um plasma de marca sobejamente conhecida, que, pasme-se, não tinha custado mais do que 250 euros. Assistiu pela janela à colocação do material no carro do sortudo comprador, um carro com muito bom aspecto. Quando o vendedor voltou a entrar, não resistiu a abordá-lo: «Olhe lá amigo, desculpe meter-me na conversa, mas pareceu-me ouvir que o preço do plasma que acabou de entregar era de apenas 250 euros?!...» – perguntou, em jeito de afirmação. «E pareceu-lhe bem. Porquê está interessado num?» – lançou o vendedor. «Por aquele preço até lhe comprava vários!» – respondeu o outro, meio a sério meio a brincar. Aí (simuladamente) fez-se luz na cabeça do «comerciante»: «Olhe amigo, nem de propósito; tenho a possibilidade de os comprar directamente num grossista meu amigo, que está a fazer uma promoção de lançamento.» Já com um brilho nos olhos, António, mandando o barro à parede, disse que lhe compraria 10, se lhos vendesse todos por 2 mil euros. O outro simulou relutância no desconto adicional, dizendo que se tratava de produtos cujo preço normal podia chegar a 2 mil euros cada! António ficou ainda mais interessado, mas não aumentou a oferta.

Final 1 - O «comerciante» acabou por ceder, mas com duas condições: António pagaria a pronto e arranjaria o transporte. «Fechado» – declarou António.

No dia combinado, António apareceu junto ao bar do primeiro encontro num furgão alugado, preparando-se para levantar o material com valor de mercado de 20 mil euros ao preço de apenas um décimo dessa quantia. O «comerciante» embarcou e dirigiram-se de imediato ao grossista. Aí chegados, António passou o dinheiro ao outro, que lhe disse para esperar no furgão (marcando a sua vez no cais de embarque), enquanto ele trataria de tudo. Teve ainda a lata de lhe perguntar se queria a factura em nome dele ou de alguma empresa.

António esperou, esperou, esperou... Até perceber que tinha acabado de ser banhado em 2 mil euros!

Final 2 - O «comerciante» acabou por ceder, mas com duas condições: António pagaria a pronto e suportaria o custo do transporte. «Fechado» – declarou António.

No dia combinado, e conduzindo camioneta «emprestada», o «comerciante» chegou ao bar onde se haviam encontrado pela primeira vez, tendo de imediato feito as contas com António, que o esperava. Pouco tempo depois, dirigiram-se ambos para a camioneta, que os transportaria a casa de António, juntamente, supunha-se, com os plasmas. A meio do trajecto, o «comerciante» parou para ir comprar o jornal, pedindo ao outro que o esperasse na camioneta.

Comprar o jornal...


Amostras de nada

António (outro que não os anteriores), jovem promissor que achava que o mundo girava em torno da sua pessoa, deparou-se, numa rua pouco movimentada, com um elegante senhor que o convidou a observar a qualidade dos casacos de peles que tinha para vender. Tratava-se de material rejeitado por uma conhecida marca de alta-costura francesa, por conter pequeníssimos e imperceptíveis defeitos de fabrico.

António examinou a mercadoria e, não tendo tido capacidade para encontrar qualquer defeito, perguntou ao outro o preço da mercadoria. O «comerciante» retorquiu: «Depende, se me comprar apenas um são 250 euros; caso me compre duas ou três caixas de vinte cada uma, faço-lhe a 100 euros cada» António quis certificar-se junto do outro de que não se tratava de material roubado (tinha um sentido moral muito apurado...). O outro, simulou ofenda com a pergunta e preparou-se para arrumar o material. «Oh amigo, não se chateie; ofereço-lhe 2 mil euros pelas três caixas». O outro fingiu que era pouco, que assim lhe estava a oferecer uma, mas lá acabou por aceder.

António foi buscar o carro, uma carrinha Mercedes de último modelo, e pagou-lhe com um cheque passado com uma Stipula Il Dono Sterling Silver.

«Grande negócio, 60 casacos de peles de primeiríssima qualidade, por 2 mil euros; estes pobres coitados nem sabem o que andam por aí a fazer...»

Tu também não António, tu também não – as caixas só têm pedras lá dentro, meu lambão!

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