Opinião
Mercado voluntário de carbono – a tão esperada Certificação Europeia
Se Portugal conseguir ter rapidamente a funcionar um mercado dinâmico poderá ganhar vantagem competitiva dentro do panorama europeu, sendo certo que o mercado português sempre beneficiará do seu enquadramento neste "sistema de certificação" da UE.
No atual contexto geopolítico, as atenções globais focam-se em temas como a segurança e as guerras comerciais com as suas consequências bolsistas, desviando-se das preocupações ambientais e climáticas. É um facto. Mas certo é, também, que os recursos naturais continuam a ser explorados para lá da sua capacidade de regeneração e o clima continua a aquecer, tendo 2024 sido o primeiro ano em que as temperaturas médias globais ultrapassaram a barreira dos 1,5 ºC – o famoso limiar definido no Acordo de Paris.
Os relatórios científicos são claros a concluir que só vamos conseguir conter o aquecimento global e alcançar a neutralidade climática se, além de reduzirmos as emissões, as contrabalançarmos com soluções – em larga escala – de captura e armazenamento dos gases com efeito de estufa (GEE) já presentes na atmosfera.
É aqui que entram em campo os mercados de carbono, nomeadamente os mercados voluntários onde se podem comprar e vender créditos de carbono. Estes mercados permitem criar incentivos económicos junto dos operadores para financiar projetos de redução de emissões e de sequestro de GEE através da geração e oferta em mercado dos créditos de carbono. Já do lado da procura, os compradores poderão usar os créditos para compensar as suas próprias emissões que não conseguem ainda eliminar, no contexto dos seus planos de descarbonização. Mas estes mercados só funcionam se houver garantia da qualidade, transparência e rastreabilidade na utilização dos créditos neles gerados e transacionados e, naturalmente, uma valorização efetiva dos objetivos de neutralidade carbónica prosseguidos pelas empresas e instituições que usam os créditos.
Assim, no final de 2024 entrou em vigor uma nova lei europeia que cria e regula um regime voluntário para a certificação de remoções de CO2, prevendo um registo unificado de créditos de carbono ao nível da União Europeia. O regime em causa (Regulamento 2024/3012, do Parlamento Europeu e do Conselho) pretende incentivar projetos de:
- Remoções permanentes de carbono – armazenamento de carbono "durante vários séculos" em formações geológicas ou produtos quimicamente estáveis (por exemplo, através da captura e armazenamento de carbono diretamente do ar);
- Carbonicultura – (i) sequestro e armazenagem de carbono em ecossistemas agrícolas, florestais ou costeiros, ou (ii) a redução das emissões dos solos, pela duração mínima de cinco anos;
- Armazenamento de carbono em produtos – sequestro de carbono em produtos duradouros durante um período mínimo de 35 anos (por exemplo, em materiais de construção à base de madeira).
As diferentes tipologias de projetos darão origem a diferentes categorias de créditos de carbono ("unidades", na linguagem do Regulamento, cada uma delas correspondendo a 1 tonelada de CO2 equivalente capturado ou armazenado), ficando os operadores sujeitos a monitorização regular, auditorias e verificação por organismos de certificação independentes e acreditados.
O diploma estabelece a garantia da qualidade, transparência e rastreabilidade na utilização dos créditos de carbono e assim pretende conferir a robustez, segurança e integridade de que o mercado voluntário – tão fortemente criticado e fragilizado no passado – depende para funcionar e ser credível. Essa credibilidade é essencial para que haja um incentivo efetivo ao desenvolvimento dos projetos e à compra dos créditos por quem pretenda compensar emissões – enfim, para que o mercado funcione como ferramenta eficaz.
Para o Regulamento ser operacional, terão agora de ser desenvolvidas pela Comissão Europeia as metodologias de certificação para os diferentes tipos de atividades de remoção de carbono e redução de emissões do solo, tendo sido já definidas como prioritárias:
- Nas atividades de carbonicultura: a gestão sustentável de terras agrícolas, florestas e ecossistemas marinhos;
- No armazenamento de carbono em produtos de longa duração: as metodologias de certificação para os materiais de construção à base de madeira e de base biológica.
Até finais de 2028, a Comissão Europeia deve também criar uma plataforma de registo europeu para garantir a transparência da certificação das unidades de carbono e impedir a sua dupla contagem.
Exige-se ainda que os projetos de remoção e redução de emissões não prejudiquem significativamente o ambiente, podendo os mesmos gerar cobenefícios ambientais e socioeconómicos, como a proteção da biodiversidade e do capital natural ou o aumento da resiliência do território.
Portugal tem já um mercado voluntário de carbono (MVC) criado e regulado desde o início de 2024, mas que ainda não está operacional, aguardando ainda alguma da regulamentação necessária, incluindo a aprovação de metodologias, bem como a entrada em funcionamento da plataforma eletrónica de registo do MVC, prevista para o 2.º semestre do ano.
A articulação entre o MVC nacional e o novo regime de certificação europeu – que é diretamente aplicável em todos os Estados-membros da UE – (e entre ambas as plataformas) é necessária, mas não se antevê que seja complicada de concretizar, uma vez que há um alinhamento de princípios e critérios de qualidade e integridade entre os regimes legais.
Apesar de Portugal se ter adiantado, há ainda caminho a fazer para que tanto o MVC português como o novo regime de certificação europeu estejam inteiramente operacionais. Se Portugal conseguir ter rapidamente a funcionar um mercado dinâmico poderá ganhar vantagem competitiva dentro do panorama europeu, sendo certo que o mercado português sempre beneficiará do seu enquadramento neste "sistema de certificação" da UE.
Em face do atual contexto internacional, os instrumentos de mercado – incluindo o mercado voluntário agora regulado e robustecido em termos de qualidade, transparência, credibilidade – serão porventura os que têm maiores probabilidades de vingar e contribuir de forma efetiva para o combate às alterações climáticas. Todos beneficiaremos com o seu sucesso.