Opinião
Marques Mendes: os melhores não querem ir para o Parlamento, "ser deputado, hoje, é cadastro"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a vacinação das crianças, a detenção de João Rendeiro e as listas de deputados dos partidos
VACINAÇÃO DE CRIANÇAS
- O processo começou mal, acabou bem e espera-se que corra melhor no terreno.
- Começou mal com o ruído que se instalou em volta da ideia de que os pareceres dos especialistas não seriam divulgados. Foi uma péssima gestão de comunicação. Começou a criar-se a ideia que havia qualquer coisa de muito grave que a DGS queria esconder. E, afinal, não havia nada de grave. Há opiniões diferentes mas ninguém questiona a segurança das vacinas.
- Acabou bem porque houve bom senso. Primeiro, porque todos os pareceres foram divulgados e são relativamente inócuos. Depois, porque o Governo anunciou um calendário concreto para a vacinação, o que demonstra profissionalismo e ajuda a dar confiança ao processo.
- É preciso agora que tudo corra bem no terreno. Para isso, são precisas duas coisas: primeiro, que o processo seja gerido sem dramatizações e sem pressões políticas: a vacina não é obrigatória, só se vacina quem quiser e é preciso respeitar a todos por igual – os que decidem vacinar e os que decidem não vacinar; depois, é preciso esclarecer as pessoas: a maior parte dos pais ainda está cheia de dúvidas. É o contributo que também quero dar.
Analisando os pareceres técnicos, percebem-se os RISCOS, os BENEFÍCIOS, a EFICÁCIA DA VACINA e as ENTIDADES que a recomendam.
PRINCIPAIS RISCOS
- Casos de miocardite/pericardite muito raros e com evolução favorável (1,3 por cada 100.000 doses administradas)
- Casos semelhantes aos dos jovens de 12 aos 17 anos, já vacinados
- Efeitos adversos: locais (dor e rubor) e gerais (cansaço e dor de cabeça), idênticos aos manifestados noutras idades
- Redução da probabilidade de infeção (64 mil casos até Novembro)
- Menor probabilidade de internamento hospitalar ou em UCI
- Até Novembro: 217 internamentos e 20 crianças em UCI
- Menos provável a transmissão do vírus a outras crianças e adultos
- Benefício para a saúde mental da criança
- Benefício social: fecho de escolas prejudica mais as crianças pobres.
- Houve ensaios clínicos com mais de 2 mil crianças
- Eficácia da vacina: 90,7%
- Segurança da vacina: igual às demais vacinas COVID
- Dose mais pequena para crianças – 1/3 dos adultos
- Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC)
- Agência Europeia do Medicamento (EMA)
- Organização Mundial de Saúde (OMS)
- Na UE: Áustria, Grécia, Croácia, Espanha, Letónia
- Fora da UE: EUA, Canadá, Israel
TESTES E PANDEMIA
- Todos temos dito que a vacinação é um caso de sucesso. Mas é preciso acrescentar: o processo de testagem é outro caso de sucesso. Vejamos os principais números, altamente impressivos
- Total de testes realizados até hoje: 22,6 milhões. No inicio mais os testes PCR. Agora mais os testes rápidos Antigénio.
- Dia com mais testes: 10 de Dezembro de 2021 com 198 mil testes (quase 2% da população);
- Média de testes por dia: há um ano a média diária era de 34 mil. Agora, a média por dia é de 124 mil;
- Positividade: há um ano era de 8,8%. Agora baixou para 3,1%. Estamos bem. A linha vermelha está nos 4%.
- Ranking europeu: somos o 6º melhor país na Europa em número de testes.
- O que tudo isto revela são duas coisas: primeiro, que o país, a começar no INSA e a continuar nas farmácias e laboratórios, mostrou um grande profissionalismo nesta matéria; segundo, que a população percebeu que, a par da vacinação, a testagem é uma arma de prevenção da doença absolutamente essencial. Maior testagem é maior segurança da população. É importante realçar isto em vésperas de Natal. O teste no Natal é essencial.
- Finalmente, sobre o estado da pandemia, há que realçar que continuamos com a tendência anterior: os novos casos continuam a aumentar; mas o número de internamentos, internamentos em UCI e óbitos não aumentam ao mesmo ritmo e velocidade. Temos 1/4 dos internamentos de há um ano; e um 1/5 dos óbitos de Dezembro de 2020. A vacinação continua a surtir um grande efeito.
A DETENÇÃO DE JOÃO RENDEIRO
- A PJ deu uma prenda de Natal a si própria, à justiça portuguesa e ao país.
- A si própria: comprovou mais uma vez a sua eficiência, qualidade e Foi competente a planear, a executar o seu plano e a ter sucesso. Tudo sem qualquer fuga de informação. Nada disto é muito português. Mas é notável!
- À justiça portuguesa: com a fuga de João Rendeiro, a justiça saiu-se mal. Ficou a suspeita de que tinha sido imprudente. Agora, sai reabilitada.
- Ao país: os portugueses ficaram chocados com a fuga de João Rendeiro. Agora, ficaram orgulhosos com o sucesso desta operação.
- Rui Rio insinuou que esta detenção, agora, teve a ver com a proximidade de eleições. Não tem qualquer razão. Primeiro, o tempo da Justiça não é o tempo da politica; Segundo, este processo foi desencadeado pela PJ muito antes da dissolução da AR e não pode ser adiado por causa das eleições; Terceiro, em 2019, Rui Rio beneficiou por ter saído em plena campanha eleitoral a acusação do MP contra o ex-Ministro Azeredo Lopes e não se queixou dos calendários da Justiça. De quem quer ser PM exige-se mais sentido de Estado.
- João Rendeiro: do principio ao fim, um exemplo de descaramento:
- Já tinha cometido vários crimes; já tinha fugido à justiça; já tinha dado prova da sua arrogância, ganância e exibicionismo (até vedeta de TV).
- Agora ficámos a saber duas outras coisas inacreditáveis: por um lado, a sua preocupação em viver "à grande e à francesa"; por outro lado, a sua ilusão de que iria conseguir fugir indefinidamente à justiça. Neste mundo global, de intensa cooperação judiciária e policial, só mesmo um arrogante e convencido é que consegue admitir uma tal hipótese.
- É preciso não embandeirar em arco. Ter Rendeiro em Portugal leva tempo: há dois processos paralelos. O processo de extradição, mais longo; o processo relativo à medida de coação: o óbvio seria a prisão preventiva. Quem foge uma vez à justiça pode fugir mais vezes. Mas a defesa de Rendeiro vai fazer tudo para a evitar. Até por uma razão adicional: as prisões na África do Sul não são propriamente hotéis de duas estrelas.
LISTAS DE DEPUTADOS DO PSD
Três questões distintas: a "purga"; a qualidade; o regime eleitoral.
- Quanto à "purga":
- Primeiro, Rui Rio fez o que era previsível, de acordo com o seu estilo e feitio. "Vingou-se" da sua oposição.
- Segundo, foi semelhante ao passado. Em 2002, Durão Barroso afastou, também por razões políticas, vários deputados de prestígio.
- Terceiro, Rio fez mal. Um Grupo Parlamentar não é a Comissão Política do líder do Partido. Lealdade não é sinónimo de subserviência. E a imagem de unidade dava-lhe mais força.
- Quanto à qualidade: as listas deviam ter maior qualidade. Claro que há nomes que vêm de trás e que mostraram qualidade (Coelho Lima e Baptista Leite); é verdade que houve novas escolhas de mérito (Mota Pinto e Miranda Sarmento), mas é pouco; e é um erro indesculpável deixar de fora Marques Guedes. Um excelente deputado. Respeitado em todas as bancadas. Com uma experiência única. Até podia ser Presidente do Parlamento.
- Finalmente, há o problema mais grave. No PSD e nos outros partidos.
- Primeiro: os melhores, em qualquer partido, não querem ir para a AR. Aos olhos de muitos, ser deputado, hoje, é "cadastro" e não curriculum.
- Segundo: elegem-se 230 deputados mas ninguém conhece os candidatos e ninguém vota em deputados. Uma perversidade.
- Terceiro: os deputados respondem perante os partidos e não perante os eleitores. Outra anormalidade democrática.
- Precisamos de mudar o regime eleitoral. Para que cada um de nós tenha o seu deputado. Para que o deputado seja eleito em moldes semelhantes ao Presidente da Câmara. Para elevar a qualidade, a personalização e a responsabilização política. Um modelo de círculos uninominais, compensados com um círculo nacional, seria uma boa solução.
AS LISTAS DE DEPUTADOS DO PS
O PS só amanhã aprova as suas listas. Mas, ao que apurei, há uma novidade no horizonte: Francisco Assis não vai ser candidato a deputado. Ao contrário do que foi dito em toda a comunicação social. É um facto politico com alguma surpresa.
- Terminada a geringonça, Assis manifestou publicamente disponibilidade para ser candidato a deputado. Em recente entrevista ao Público, até acrescentou o desejo de ser Presidente da AR, sucedendo a Ferro Rodrigues. Mas, afinal, vai ficar de fora.
- A explicação oficial é esta: Assis é Presidente do Conselho Económico e Social. E deve manter-se nesse cargo. Esta é uma parte da verdade. A verdade formal.
- A outra parte da verdade, a verdade politica, é outra: Assis foi um adversário da geringonça; incluí-lo nas listas era a confissão de que a geringonça fracassou; e, se um dia a quisessem ressuscitar, seria mais difícil, porque estaria dentro do GP um dos seus principais adversários.
- Uma coisa é certa: é pena que no Parlamento não esteja um deputado com a qualidade, a credibilidade e o mérito de Francisco Assis. É como a exclusão de Marques Guedes no PSD. Uma perda para a democracia.
O CDS E A CONVENÇÃO LIBERAL
- Francisco Rodrigues dos Santos confiava que Rio faria uma coligação com o CDS. Mas não devia ter confiado. Na prática, foi o CDS quem a inviabilizou:
- Primeiro, ao deixar cavar a sua irrelevância. Segundo, ao decidir adiar o Congresso. Essa decisão foi vista como uma ".golpada". Retirou credibilidade ao CDS. Ora, ninguém quer coligar-se com quem não tem credibilidade.
- A Iniciativa Liberal, que teve Convenção este fim de semana, está a fazer um percurso exactamente oposto ao do CDS.
- Primeiro, está a fazer uma oposição eficaz. Virada para fora e não virada para dentro.
- Segundo, está a fazer uma oposição focada. É o partido mais eficaz em pelo menos duas grandes causas: a denunciar o declínio económico de Portugal nos últimos 20 anos; a defender uma política de competitividade fiscal.
- Em conclusão: a Iniciativa Liberal está cada vez mais a ocupar o lugar do CDS como potencial parceiro de Governo do PSD.