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Marinha: o catalisador tecnológico da economia azul

A marinha está efetivamente a capacitar-se como um catalisador para a criação de novas tecnologias que poderão colocar Portugal como líder das tecnologias digitais para o mar.

Investir no mar é 1000 vezes mais arriscado do que investir no meio terrestre – este é um pedaço de "vox populi" invocado com regularidade na comunidade da economia azul. E é verdade. O mar é o ambiente mais hostil à atividade humana, depois do espaço sideral. Por isso, a tecnologia adequada é um fator decisivo para conseguir explorar economicamente o mar de forma segura, rentável e sustentável.

 

Desenvolver essa tecnologia exige muitos recursos, humanos e financeiros, e sobretudo conhecimento especializado de alto nível. Esta não é propriamente uma equação fácil de operacionalizar e explica em boa parte a dificuldade da economia azul acelerar o seu crescimento para fora dos seus setores tradicionais.

 

Mas há uma via a ser explorada para ultrapassar este obstáculo, já usada por outros setores, como o digital: a tecnologia de duplo uso, militar e civil. Ou seja, soluções de inovação tecnológica desenhadas para aplicações militares, mas que, com determinadas adaptações, podem ser utilizadas no contexto civil.

 

Com efeito, vivemos rodeados deste tipo de inovação no nosso quotidiano: a internet, o sistema de comunicações usado pelos telemóveis, determinados materiais usados no fabrico de automóveis, por exemplo, são resultado de estratégias industriais de duplo uso realizadas por potências como os EUA, o Reino Unido, França ou Itália.

 

Num país como Portugal, com escasso acesso a capital e fraca tradição industrial, num contexto de difícil investimento como o da economia do mar, esta estratégia assume uma importância crucial para catalisar o desenvolvimento do nosso maior ativo territorial.

 

Portanto, é crítico que a Marinha Portuguesa assuma proativamente esse papel de catalisador da inovação tecnológica de duplo uso para a economia do mar. Felizmente, o atual Chefe de Estado Maior da Armada, Almirante Gouveia e Melo, tem esta estratégia como sua máxima prioridade, como tem vindo a ser atestado nos diversos discursos que tem proferido sobre o tema.

 

Mas afinal quais são essas tecnologias de duplo uso para a economia do mar, perguntar-se-á o leitor? São sobretudo áreas disruptivas "deep tech" que aumentam a precisão e o volume da informação sobre o ecossistema marítimo e marinho: inteligência artificial, materiais avançados, blockchain, robótica e drones, fotónica, computação quântica, internet das coisas, tecnologias navais (propulsão, hidrodinâmica, etc.), cibersegurança e manufaturação aditiva.

 

Estas tecnologias, quando aplicadas, poderão dotar a marinha das seguintes novas capacidades, críticas para a segurança nacional e europeia nos dias de crise geopolítica que atravessamos: criar uma frota de drones energeticamente auto-suficientes capazes de vigiar grandes áreas marítimas a custos controlados; criar gémeos digitais de áreas do oceano para simular impactos de determinadas operações militares; melhorar a hidrodinâmica das embarcações, aumentando a sua eficiência energética; digitalizar as tecnologias de navegação, melhorando o seu desempenho operacional; observar e monitorizar a coluna de água oceânica com maior precisão e em tempo real, para deteção atempada das ameaças submarinas.

 

Muitas destas tecnologias têm aplicações no meio civil. Os drones poderão ser usados tanto na manutenção dos parques eólicos offshore flutuantes, como na aquacultura offshore e, por outro lado, os gémeos digitais na simulação dos impactos destas indústrias no ecossistema marinho. O aperfeiçoamento da hidrodinâmica poderá ser usada pela indústria naval na construção de navios de transporte de carga mais eficientes, bem como as soluções de digitalização de navegação. E na aquacultura offshore também podem ser aplicada novas tecnologias de monitorização da coluna de água, gerando assim sistemas preditivos de risco operacional biológico mais precisos, assegurando maior rentabilidade do investimento.

 

Para que esta estratégia de duplo uso se concretize, é crítico que a marinha a implemente numa abordagem de inovação aberta, ligando-se aos inovadores e aos investidores. E é essa a estratégia em marcha: já tem uma Divisão de Inovação em pleno funcionamento, organiza as Conferências IDEIA em conjunto com a sociedade civil, o Instituto Hidrográfico criou uma plataforma de dados oceânica com uma API aberta disponível aos programadores e, no ano passado, conseguiu juntar 17 marinhas estrangeiras no exercício REP da NATO no Comando Operacional de Tróia, dedicado ao teste e demonstração de tecnologias.

 

Aliás, é neste mesmo Comando Operacional que ficará localizada a maior Zona Livre Tecnológica marítima da Europa: 2900km2, com acesso a uma profundidade de 1200 metros, no canhão de Setúbal, disponível para testes de todo o tipo de tecnologias marítimas. Se a isto juntarmos os investimentos previstos no PRR para a Plataforma Naval Oceânica, a marinha está efetivamente a capacitar-se como um catalisador para a criação de novas tecnologias que poderão colocar Portugal como líder das tecnologias digitais para o mar. Se estas capacidades operarem em conjunto com a Rede de Hubs Azuis (a componente civil), temos ecossistema muito apetecível para investidores diminuírem o seu risco operacional e monetizarem as suas apostas empresariais.

 

 É caso para dizer: economia do mar, fogo à peça!

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