Opinião
Linha de água
Quais serão, no futuro, as relações entre o Estado e a iniciativa privada, num novo ambiente económico que se está a criar em todo o mundo? As perplexidades são muitas, desde Trichet começar a cortar os juros, à Islândia nacionalizar bancos e só depois descobrir que não tinha dinheiro para o fazer. A Escola de Chicago faliu. Quem vai abrir um novo banco de ideias?
Perplexos e pouco confiantes
Vivemos num mundo de perplexidades. Jean-Claude Trichet, o apóstolo da subida das taxas de juro, converteu-se à descida das mesmas. A Islândia, o adorável país que doou Bjork ao mundo, decidiu nacionalizar os seus principais bancos. Só horas depois percebeu que não tinha dinheiro suficiente para o fazer. Os outrora defensores do mercado livre têm agora de dizer que engolir o sapo do Estado a comprar bens, é algo tão saboroso como chocolate. Não há muito espaço para a coerência nestes dias. Não há uma bola de cristal que revele o que aí vem, e Maya, aparentemente, não está disponível para virar as cartas. Que modelo económico emergirá desta crise do capitalismo? Apesar da colectivização forçada de perdas e riscos, não estamos a bater à porta do socialismo. A actuação dos Governos está a ser apresentada como um expediente, não uma estratégia de fundo. Os Governos têm, ciclicamente, feito intervenções no mercado para prevenir certos males maiores. Nem é a mão invisível. É a mão do aconchego. Por isso nunca tantos defensores do comércio livre pareceram tão dispostos a ir viver para Fort Knox. Há quem veja em tudo isto uma lógica de corporativismo. Em Portugal sabe-se o que isto significa – uma junção do Estado e das corporações (incluindo os sectores económicos), ao serviço da pátria, como Salazar tentou impor. Hoje este sistema, de várias formas, está disseminado, da Rússia à Venezuela, passando pelos países do Golfo. Há um novo modelo, claramente, a emergir das ruínas de um sistema financeiro sem finanças. Nos EUA assiste-se a uma cada vez maior ligação entre o Estado e os grandes super-bancos (JP Morgan Chase, Bank of América e Citi – e nada garante que, um destes dias, estes não se juntem). Não é de agora este namoro entre o Estado e a economia privada. O "New Deal" de Roosevelt foi o resultado de um compromisso entre o Estado e a economia privada. O modelo evoluiu para a social-democracia europeia. Mas todo este sistema de equilíbrios tem uma espinha dorsal: a classe média. Sem ela, até a democracia, estará em perigo. Este impensável, há poucos meses, encontro entre a iniciativa privada e o Estado talvez não se transforme num ‘gremlin’ do passado: o capitalismo de Estado. Mas as tentações de regulação vão necessariamente levar à criação de uma elite político/económica mais restrita e vigilante. No Reino Unido, nos dois maiores partidos, quer Cameron quer Brown, acreditam que o Governo deve ter um papel activo na ajuda aos negócios e à indústria. Recupera-se um velho princípio social-democrata – "o mercado onde é possível, o Estado quando necessário". Na Europa, depois de todos sermos bandeiras do liberalismo económico, acordamos todos social-democratas. Na América, a barricada que separa os campos opostos ainda é grande. Mas tenderá a desvanecer-se. No fundo está a enterrar-se um modelo de capitalismo, criado por Milton Friedman e pela Escola de Chicago e que foi aplicado por Reagan e Thatcher, baseado em três simples princípios: promoção da casa própria, desregulação financeira e fé absoluta no mercado. Quando Trichet vem dar três passos à retaguarda, criou-se uma nova política económica: esquecer a inflação e cortar nos juros. As acções estão baixas e quem tiver "cash" comprará o que é apetecível. O novo modelo capitalista está aí à porta, a bater devagarinho. Quando entrar, será à força.
Socialização dos prejuízos
O resultado da acção ou da inacção do ministro Rui Pereira é conhecido: tudo muda, sempre, para pior. É, claramente, um ministro errado num lugar certo. Mas enquanto lá continua, vai desenvolvendo uma política que Henry "Hank" Paulson gostaria de subscrever: a socialização dos prejuízos. É assim que, agora, os polícias pagam as reparações dos carros de trabalho que se avariam ou sofrem acidentes em serviço. Se não fosse ridículo, diríamos que era uma nova forma de implementar uma via portuguesa para o socialismo. Mas poucos têm dúvidas sobre a luz que ilumina o pensamento de Rui Pereira: é uma política socialista diferente, mas que a ser aplicada noutros sectores, poderá mudar o rumo da sociedade portuguesa.
Vivemos num mundo de perplexidades. Jean-Claude Trichet, o apóstolo da subida das taxas de juro, converteu-se à descida das mesmas. A Islândia, o adorável país que doou Bjork ao mundo, decidiu nacionalizar os seus principais bancos. Só horas depois percebeu que não tinha dinheiro suficiente para o fazer. Os outrora defensores do mercado livre têm agora de dizer que engolir o sapo do Estado a comprar bens, é algo tão saboroso como chocolate. Não há muito espaço para a coerência nestes dias. Não há uma bola de cristal que revele o que aí vem, e Maya, aparentemente, não está disponível para virar as cartas. Que modelo económico emergirá desta crise do capitalismo? Apesar da colectivização forçada de perdas e riscos, não estamos a bater à porta do socialismo. A actuação dos Governos está a ser apresentada como um expediente, não uma estratégia de fundo. Os Governos têm, ciclicamente, feito intervenções no mercado para prevenir certos males maiores. Nem é a mão invisível. É a mão do aconchego. Por isso nunca tantos defensores do comércio livre pareceram tão dispostos a ir viver para Fort Knox. Há quem veja em tudo isto uma lógica de corporativismo. Em Portugal sabe-se o que isto significa – uma junção do Estado e das corporações (incluindo os sectores económicos), ao serviço da pátria, como Salazar tentou impor. Hoje este sistema, de várias formas, está disseminado, da Rússia à Venezuela, passando pelos países do Golfo. Há um novo modelo, claramente, a emergir das ruínas de um sistema financeiro sem finanças. Nos EUA assiste-se a uma cada vez maior ligação entre o Estado e os grandes super-bancos (JP Morgan Chase, Bank of América e Citi – e nada garante que, um destes dias, estes não se juntem). Não é de agora este namoro entre o Estado e a economia privada. O "New Deal" de Roosevelt foi o resultado de um compromisso entre o Estado e a economia privada. O modelo evoluiu para a social-democracia europeia. Mas todo este sistema de equilíbrios tem uma espinha dorsal: a classe média. Sem ela, até a democracia, estará em perigo. Este impensável, há poucos meses, encontro entre a iniciativa privada e o Estado talvez não se transforme num ‘gremlin’ do passado: o capitalismo de Estado. Mas as tentações de regulação vão necessariamente levar à criação de uma elite político/económica mais restrita e vigilante. No Reino Unido, nos dois maiores partidos, quer Cameron quer Brown, acreditam que o Governo deve ter um papel activo na ajuda aos negócios e à indústria. Recupera-se um velho princípio social-democrata – "o mercado onde é possível, o Estado quando necessário". Na Europa, depois de todos sermos bandeiras do liberalismo económico, acordamos todos social-democratas. Na América, a barricada que separa os campos opostos ainda é grande. Mas tenderá a desvanecer-se. No fundo está a enterrar-se um modelo de capitalismo, criado por Milton Friedman e pela Escola de Chicago e que foi aplicado por Reagan e Thatcher, baseado em três simples princípios: promoção da casa própria, desregulação financeira e fé absoluta no mercado. Quando Trichet vem dar três passos à retaguarda, criou-se uma nova política económica: esquecer a inflação e cortar nos juros. As acções estão baixas e quem tiver "cash" comprará o que é apetecível. O novo modelo capitalista está aí à porta, a bater devagarinho. Quando entrar, será à força.
O resultado da acção ou da inacção do ministro Rui Pereira é conhecido: tudo muda, sempre, para pior. É, claramente, um ministro errado num lugar certo. Mas enquanto lá continua, vai desenvolvendo uma política que Henry "Hank" Paulson gostaria de subscrever: a socialização dos prejuízos. É assim que, agora, os polícias pagam as reparações dos carros de trabalho que se avariam ou sofrem acidentes em serviço. Se não fosse ridículo, diríamos que era uma nova forma de implementar uma via portuguesa para o socialismo. Mas poucos têm dúvidas sobre a luz que ilumina o pensamento de Rui Pereira: é uma política socialista diferente, mas que a ser aplicada noutros sectores, poderá mudar o rumo da sociedade portuguesa.
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