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Opinião
01 de Novembro de 1999 às 12:42

João Carvalho das Neves:«Manter ou não as "golden shares" do estado?»

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A minha opinião está muito dividida à semelhança do que aconteceu com o inquérito que o Canal de Negócios lançou durante a semana passada. Existem vantagens e inconvenientes que devem de ser ponderadas.

Para os liberalistas a resposta é óbvia. O Estado não deve ser activo na vida económica empresarial e, em princípio, até estou de acordo. Mas uma coisa é o princípio, a teoria. A outra pode ser a necessidade e a prática.

Com a queda do muro de Berlim o liberalismo passou a ser moda. A participação do Estado passou a ser considerada «old-fashion». Mas a gestão de um país ou de uma empresa não deve ser baseada em modas, mas na realidade e nas necessidades concretas do país e das empresas. A gestão por modas pode ser muito prejudicial a longo prazo. Vide nacionalizações do pós 74. E digo moda porque alguns que defendiam as nacionalizações defendem agora as privatizações completas e eliminação das «golden shares». Pois bem, a moda do liberalismo extremo também pode não ser do nosso interesse enquanto economia regional europeia. Porque não manter o controlo de capital sobre algumas empresas? Porquê satisfazer as vontades da OCDE e outros liberalistas? Será que a CGD poderá servir ou não no futuro para o Governo manter alguma influência sobre o mercado bancário que tão estratégico é para a economia? Ou será que num contexto europeu este pressuposto é descabido?

Será pois muito fácil argumentar à luz do liberalismo que o Estado não deve ter participações sociais nas empresas e muito menos acções com direitos especiais de voto como são as «golden shares». Pode até argumentar-se que essa situação conflitua com a igualdade de direitos entre accionistas. Mas se o Estado não deve ter privilégios porque razão hão-de os privados ter? É que nas economias liberais compete aos accionistas decidir sobre o destino das sociedades e acontece que muitas vezes estes optam por que a empresa emita acções com direitos especiais. Assim, nos Estados mais liberais existem muitas vezes privados com «golden shares». Até em sociedades por quotas existem situações em que só maiorias qualificadas podem tomar determinas decisões. Se se exigir uma maioria qualificada de 90% para determinadas decisões como sejam, fusões, alterações de estatutos, nomeação ou destituição de administração, significa que nada se faz sem o acordo do(s) minoritário(s) que detém os 10%. E onde está a igualdade de direitos do capital depois de alguns bancos terem blindado os seus estatutos para que as administrações se protegessem de potenciais intrusões por via de fusões e aquisições? Então e como se explica toda a engenharia jurídica e financeira usada pelos conselhos de administração das empresas nos EUA e no Reino Unido, nomeadamente, utilizando emissões de acções e obrigações com direitos especiais (designadas por «poison pills») com o intuito de controlar as sociedades e evitarem ser alvo de aquisição?

Se aos privados é dado esse direito de defender os seus activos de serem adquiridos por terceiros em países tão liberais como os EUA e Reino Unido porque razão o Governo de um Estado de pequena dimensão não pode fazer o mesmo relativamente aos seus activos (i.é empresas?). Se o Estado não pode (ou não deve) manter «golden shares» que lhe dão direito de voto especial ou até direito de veto de algumas decisões, porque razão podem os privados usar tantos instrumentos jurídicos de defesa dos seus interesses para evitar a venda das suas empresas? Não haverá nesse caso um tratamento desigual?

Também é certo que os Governos da União Europeia já não têm o mesmo poder legislativo que tinham e, no caso de existirem leis contraditórias com o espírito da União Europeia esta poderão ser consideradas nulas e qualquer conflito se tornará complexo de resolver (vidé caso Champaulimaud-BSCH). Desse modo diversos Estados que não apenas Portugal, estão a usar as «golden shares» como instrumento de controlo sobre determinadas sociedades consideradas chave para os objectivos políticos, como sejam, controlo financeiro e taxa de juro, internacionalização, e emprego.

Se outros países usam esse instrumento porque razão deve o Governo português abdicar dele se for útil para controlo da sua política económica? Não sigamos apenas os princípios. Olhemos para a realidade pois a concorrência hoje não se faz só entre empresas mas também entre Estados.

De acordo com uma sondagem realizada pelo Canal de Negócios, entre segunda-feira e domingo da semana passada, 51,3% do leitores consideram que o Estado português deve manter as «golden shares» que detém nas empresas nacionais.

Economista e Revisor Oficial de Contas
Coordenador Científico do MBA no ISEG
Sócio de Carvalho das Neves & Associados, Lda

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consultorio@carvalhodasneves-assoc.pt

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