Opinião
João Carvalho das Neves: «A hiprocrisia na economia e a política europeia»
De acordo com o Dicionário Universal da Língua Portuguesa (Texto Editora) hipocrisia é a "manifestação de sentimentos que realmente se não tem". Não é isso que acontece na economia e na política...
Muitos economistas, políticos, gestores e empresários defendem a economia de mercado e a liberalização da economia com o argumento de que a concorrência torna o mercado mais eficiente e beneficia o desenvolvimento. Se por um lado afirmam isso, por outro lado, os gestores e empresários procuram, na prática, implementar estratégias que reduzam a capacidade dos concorrentes e de preferência até que os aniquilem. É aliás isso que se aprende nas disciplinas de estratégia empresarial, marketing e fusões e aquisições nos cursos de gestão de empresas. As fusões e as aquisições são, de facto, muitas vezes, uma forma expedita de conseguir esses intentos.
No entanto, os países mais desenvolvidos têm legislação específica no sentido de evitar que ocorram situações de monopólio ou de abuso de poder de mercado e posição dominante por parte de empresas ou grupos de empresas que possam vir a prejudicar o consumidor ou o pequeno investidor. Portugal, para além de outra legislação, tem o "Regime Geral da Defesa da Promoção e da Concorrência" que visa, em ultima instância, proteger os consumidores, o Código das Sociedades Comerciais destaca os direitos dos sócios e accionistas e o Código do Mercado de Valores Mobiliários nos capítulos das "Ofertas Públicas de Transacção", entre outros aspectos, protege claramente os interesses dos accionistas minoritários.
Para uma Europa que pretende ter um mercado único de há muito que as fusões e aquisições deveriam ter sido devidamente regulamentadas. Os países da União Europeia foram, no entanto, até ao momento, incapazes de se entenderem e produzirem legislação adequada que coordenasse as actividades governativas de controlo a nível nacional e a nível comunitário. As contradições entre os interesses e os princípios legislativos de cada país são de tal forma diferenciados que não foi possível esse entendimento. O que temos então é uma verdadeira "manta de retalhos".
Não admira pois, que o caso "Champalimaud - Banco Santander Central Hispano" ao ser conduzido para uma batalha jurídica comunitária venha a evidenciar aos juristas e políticos a fragilidade do sistema jurídico europeu nesta matéria e a inconsistência que resulta da indefinição dos papéis e poderes dos diferentes órgãos nacionais e comunitários.
Mas também neste domínio a generalidade dos políticos europeus dá mostra que a União Europeia assenta, de facto, em bases de hipocrisia económica. Enquanto membros de órgãos comunitários, os políticos afirmam o interesse e os benefícios que decorrem de um mercado único europeu. No entanto, de regresso aos seus países a prática evidencia que tudo fazem para criar barreiras ao movimento de mercadorias, pessoas e de capitais, defendendo os grupos locais.
Ao nível das mercadorias criam regulamentações e "standards" para dificultar as empresas dos outros países europeus a cumprirem tais exigências. Ao nível das pessoas criam normas profissionais e particularidades curriculares que dificultam o acesso à profissão de pessoas originárias de outros países europeus. Por último, ao nível da movimentação de capitais criam regulamentação própria, ou estatutos nas sociedades e outras formas mais habilidosas que dificultam a tomada de controlo por parte de empresas de outros países europeus.
Neste contexto hipócrita os países mais pequenos são os mais desfavorecidos. E, em minha opinião, Portugal tem sido demasiado ingénuo, pelo excesso de boa fé, neste percurso europeu. Há uns anos atrás até era normal comentar-se na imprensa e nos cafés que Portugal era um bom aluno na aplicação das directrizes comunitárias. O que acontece é que nem sempre um bom aluno tem sucesso na vida. E o que Portugal precisa é de sucesso. O engenho e arte dos Franceses e Espanhóis, por exemplo, tem-lhes permitido conseguir aplicar as directrizes comunitárias mantendo um certo controlo sobre a economia nacional.
Nas empresas cotadas existem diversas estratégias e tácticas que são usadas pelos gestores como forma de defesa a ofensivas de tomada de controlo de capital (takeovers). O que o Estado Português poderia ter feito era ter adaptado tais estratégias às empresas que privatizou. O Governo anterior não o fez, talvez por ter uma visão mais liberal do mercado. O Governo actual até pode queixar-se que os problemas comunitários actuais se devem à forma de gestão do governo anterior, mas no que respeita às privatizações, as suas não foram muito distintas das anteriores. Além disso, o que ocorreu sobre o grupo do senhor Champalimaud poderia ter ocorrido sobre quaisquer outras empresas de grande dimensão do tecido empresarial português. E nesse caso, o que faria o Governo?
Prof. Doutor João Carvalho das Neves
Economista e Revisor Oficial de Contas
Coordenador Científico do MBA no ISEG
Sócio de Carvalho das Neves & Associados, Lda