Opinião
Ir ao futuro ver como é
Ao longo dos dias, com pena da raridade e saudades da brevidade, vamos encontrando pessoas especiais. Pelas convicções, pelo optimismo, pelo voluntarismo. E pela capacidade de antecipação do futuro. Aliam a isto a extraordinária qualidade de prenderem a a
Há quem lhes chame visionários. Conheci uns quantos, poucos. E conheci o maior deles todos, entretanto aparentemente esquecido porque precocemente desaparecido – Francisco Lucas Pires. Portugal consome-se em coisas menores todos os dias e consome quem é maior de cada vez que um dia cai.
O extraordinário (a vários títulos) discurso que António Câmara produziu a propósito da entrega do Prémio Pessoa vem mostrar mais um desses visionários. António Câmara foi ao futuro ver como é. E voltou de lá para contar o que viu. Viu que, em 2015, "Portugal tem um acesso á informação, capital e mercados semelhante aos outros países da Europa Comunitária" e que obterá os proveitos de ter apostado "na aventura como nenhum outro país europeu fez nos últimos oito anos". Como foi isto possível, visto desde o futuro?
O próprio explica: "devido a alterações estruturais a nível das cidades, das universidades e da relação entre as universidades e o mundo empresarial". Estas alterações implicam que as "cidades sejam autênticas, informais, tolerantes e que se preocupem com a qualidade de vida". Implicam que acolham "universidades de classe mundial, que atraem talentos". E implicam que estas atraiam "investidores". Sobre isto que já não é pouco, o orador viu mais.
Viu que, "em 2015, o ensino da Língua Portuguesa é central em todos os programas curriculares" e que "passa a privilegiar os fundamentos e a estimular os estudantes, ensinando primeiro a saber fazer e incentivando depois a sua participação em programas de investigação". Sendo este o cerne em que assenta Portugal visto desde o futuro, o viajante – que não é um simples viageiro – concluiu que "Portugal, em 2015, é o local mais vibrante para viver, estudar e trabalhar no continente europeu".
Antes do mais, António Câmara fez muito bem em dizer o que disse. Portugal precisa de coisas positivas, de optimismo, de crença no futuro. Mas dizendo o que disse, o orador mostrou também o que não precisou de dizer. Mostrou, em primeiro lugar, que faltam só oito anos para que o futuro se concretize, ainda que parcialmente.
O que é muito pouco tempo para fazer arrancar, ganhar velocidade e entrar em cruzeiro o novo sistema. Mostrou, depois, que conta com as cidades e só com elas para visionar no terreno o que percebeu das nuvens. O campo não conta para este efeito e contará muito pouco para qualquer outro efeito nos próximos tempos.
E mostrou, ainda, que, independentemente do contraponto cidades/campo, Portugal vai por um caminho de várias velocidades, desenvolvendo os poucos exemplos de que já dispõe no que respeita a institutos de ponta. Isto quer dizer, muito cruamente, que se o caminho é para a frente e depressa, quem quiser que aguente o balanço e quem não quiser ou não puder será deixado para trás. Aqui estão as duas faces do capitalismo. Aquela que é inventiva, criativa, dura no trabalho e feliz no prémio. E aquela outra que não tem tempo nem paciência para olhar para quem fica para trás ou não se adequa ao sistema ou à sua velocidade. No seu discurso, o orador deu-nos, finalmente, uma excelente notícia: nos tempos da globalização, em que tudo circula e nada parece ancorar, afinal é possível localizar-nos e termos uma casa que é a nossa, chamada Portugal.
O Prémio, esse, continua vivo e a perceber os tempos. Começou por galardoar (na sua primeira edição) um historiador que estudou o passado – José Mattoso. Acaba de galardoar um antecipador que foi visitar o futuro.