Opinião
Harry Potter no Lago dos Cisnes
Agora que partimos de férias, a vontade de olhar os écrans continua mínima. A cor vermelha predomina e os sinais de menos também.
Carla Rebelo, Banco Finantia
Agora que partimos de férias, a vontade de olhar os écrans continua mínima. A cor vermelha predomina e os sinais de menos também. É como se os mercados tivessem sido beijados de morte por um Dementor, os guardiões dessa prisão de Azkaban que fica algures no mundo fantástico do Harry Potter.
Acossado pelos poderosos feitiços latino-americanos, o PSI20 destaca-se como um dos piores mercados - afinal, a América Latina, como qualquer Criatura Perigosa que se preze, continua a exercer um grau de sedução capaz de levar uma empresa do paraíso ao abismo num ápice.
Uma olhada rápida às performances e apenas encontramos a Brisa, que é, em conjunto com a EDP o título defensivo por excelência, e a Semapa, com retornos positivos desde o início do ano. Por um lado, uma large cap beneficiada por um processo de privatização e pela conjuntura volátil dos mercados – já quanto à EDP, parece que o poder do manto da invisibilidade da EDP está enfraquecido pela sua exposição ao Brasil. Por outro, uma Small Cap*. Uma Small Cap?!?!?….
A verdade é que as Small Caps têm sido ao longo destes últimos anos, e muito especialmente, no auge da euforia tecnológica (Patronus Exodus!), os patinhos feios dos mercados. Entre níveis reduzidos de liquidez e uma gestão de comunicação para os mercados nem sempre tão eficiente quanto seria de desejar, estas empresas sucumbem quase sempre ao feitiço da liquidez numa lógica bastante simplista: nao têm, não se compram. Por outro lado, as Small Caps são muitas vezes empresas com histórias particulares e de contornos específicos, o que dificulta a sua integração em sectores – e, se por acaso, são integradas, acabam por sofrer os tradicionais descontos por falta de liquidez e visibilidade face aos maiores players.
O desinteresse dos investidores inevitavelmente gera desinteresse dos analistas e muitas empresas cotadas sobrevivem numa espécie de limbo sem qualquer cobertura profissional.
No fundo, é como se sofressem um Beijo de um Dementor. Algumas agonizam sem fim à vista, quase à beira da loucura, ansiando por uma poção milagrosa capaz de lhes devolver o brilho perdido da juventude – e basta olhar para o nosso mercado para encontrar algumas assim. Outras morrem mesmo, especialmente quando o cansaço dos accionistas chega ao limite – foi o que aconteceu, por exemplo, com a Unicer há dois anos atrás, retirada do mercado com o argumento de que não era devidamente valorizada pelos investidores.
A pouco e a pouco, o círculo vai-se fechando e as empresas passam a vegetar, apresentando desempenhos bolsistas irritantemente estáveis ou, pior, com uma tendência estranhamente deslizante – qualquer dos casos tão desesperante como as férias de Verão do Harry Potter em casa dos seus tios.
É que a globalização dos mercados financeiros teve essa consequência curiosa de criar um fosso Norte / Sul entre as Large e as Small Caps ao instaurar a Ditadura dos Sectores e dos Índices. Só se investe neste sector ou naquele e a performance da carteira é sempre medida contra um índice de referência (benchmark) desse sector. Esta estratégia tem reconhecidas vantagens na medida em que simplifica os critérios de investimento (só se escolhem títulos que façam parte do índice de referência – sempre os maiores e mais líquidos) e, por isso, poupa recursos de análise – não são precisas assim tantas cabeças para procurar oportunidades.
Mas também tem desvantagens: é que, na ânsia de seguir o índice, muitas vezes se compra aquilo que toda a gente compra e se vende aquilo que toda a gente vende. Onde é que fica a diferença? Por outras palavras, onde é que se pode ganhar mais dinheiro do que o vizinho do lado? Questão algo pertinente, sobretudo, quando os mercados caem…Terá a varinha mágica do Harry Potter uma resposta?…
Há uns tempos atrás, a Abby Joseph Cohen, uma conhecidíssima estratega da Goldman Sachs, afirmava que já se começava a notar a tendência dos investidores exigirem dos seus gestores de fundos remunerações absolutas (“quero que ganhe 15% este ano”) em vez de tentarem bater um determinado indice (“bata o índice em 5% e eu fico contente”). E é aqui que entram as Small Caps: é que, quanto maior o número de analistas que cobre uma empresa (e as Large Caps são-nos por muitos), menor a possibilidade de detectar ineficiências na formação dos preços – é raro existirem divergências significativas entre os analistas de mercado nas suas avaliações.
Ao invés, quando uma empresa não beneficia de muitas análises, a probabilidade de estar a acontecer alguma coisa realmente importante e ninguém notar (ou notar tarde demais) é muito maior, embora sejam exactamente essas coisas importantes que despoletam subidas de preço e geram rentabilidades. Por isso, como o Harry Potter sabe melhor que ninguém, é crucial ser o primeiro a descobrir o tesouro…
Uma análise rápida aos índices permite-nos retirar algumas conclusões curiosas: as melhores rentabilidades do mercado português nos últimos anos foram oferecidas por pequenas empresas alvo de OPA – a Centralcer e a Unicer serão dos casos mais óbvios. Olhando para os nossos vizinhos espanhóis, a imagem é ainda mais curiosa: no pior Bear Market dos tempos recentes, há várias empresas com ganhos superiores a 10% este ano face a uma perda do IBEX de 15%.
A Aceralia (capitalização de €1.6bn), envolvida num processo de fusão no sector metalúrgico, acumula um ganho superior a 30%, logo seguida da Ferrovial (construção, €2.7bn) com 28%. Se olharmos mais para trás, um investidor que tivesse entrado em Zeltia (fármacos, €2.4bn) no final de 1999, estaria a ganhar quase 130%; se tivesse escolhido a Rede Eléctrica Espanhola (transmissão eléctrica, €1.4bn), teria ganho mais de 50%. E se, em vez disso, tivesse escolhido Telefonica (telecomunicaçoes, €68bn)? Perderia exactamente os mesmos 50%. Para já não falar da Terra Networks, que passou de Large Cap a Medium no espaço de um ano e meio, com uma queda de 88%…
Que lição deve o Harry Potter aprender para o exame? Que a ditadura imposta pelo critério liquidez / dimensão acaba por gerar, muitas vezes, ineficiências na formação dos preços criando, em última análise, oportunidades de investimento gritantes que só os mais atentos são capazes de detectar. Porque, afinal, tempo sempre é dinheiro e 130% de rentabilidade num ano e meio nao é, de todo, discipiendo. Se a lição não valer a pena, então o melhor é mesmo ler um livro do Harry Potter estas férias. Pode ser que descubra um feitiço para transformar Ursos em Touros…
*designaçao carinhosa pela qual são conhecidas as empresas com capitalização bolsista inferior a 1/2 biliões de euros, dependendo da dimensão do mercado: o PSI20 tem várias empresas com capitalizações abaixo de €1bn enquanto o IBEX 35 apenas apresenta uma. Por oposição, Large Cap é a designação para os peso-pesados do mercado, assim considerados quando o seu peso excede os 3/5 bilioes de euros. Pelo meio, ficam, como não podia deixar de ser, as Medium Caps. Num mercado à escala europeia, a fasquia sobe rapidamente para os 10 bilioes de euros.
Carla Rebelo
Analista
carla.rebelo@finantia.com