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Gato no sofá (14-03-2008)

Somos todos filhos da dívida. Esse vírus que, ciclicamente, assalta as contas do Estado. Se houve “hackers” antes do tempo da Internet, eles chamaram-se “vírus do défice”. Pelo menos em Portugal. Não custa perceber que este temível vírus tenha atacado as

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Filhos da dívida

Somos todos filhos da dívida. Esse vírus que, ciclicamente, assalta as contas do Estado. Se houve “hackers” antes do tempo da Internet, eles chamaram-se “vírus do défice”. Pelo menos em Portugal. Não custa perceber que este temível vírus tenha atacado as defesas do sector da Educação no nosso país. Nele há muito que os professores se tornaram o alvo favorito dos pelotões de fuzilamento do Ministério da Educação, que vão fazendo leis, regulamentos e outros delírios, sem se preocuparem com a criação de um sistema onde não reine o facilitismo, a mediocridade e a burocracia. Para o ME, há já muitos anos (e Maria de Lurdes Rodrigues é mais um Capuchinho Vermelho inocente à espera de ser devorada), o que interessa são valores de igualdade, que é como quem diz de criação de um ensino cheio de mediocridade (que eles justificam como “igualdade”). A isso junta-se um PS atordoado, que não percebe que os professores são uma das suas mais fundamentais bases de apoio sociológico, um Augusto Santos Silva que vive no ilusório mundo de tentar perceber se há comunistas debaixo da cama (lembrando a Fonte Luminosa, no tempo em que estava do outro lado da barricada), uma PSP a ir às escolas sem se entender por ordem de quem (e nem um pio governamental sobre o assunto) a uma oposição que quer é tornar-se uma versão laranja de Sócrates (o meu partido é como uma seara igual, quando algo desponta acima da linha, lá vem a ceifeira, diria o célebre Todor Jivkov). Começamos todos a ser filhos de uma dívida com o futuro do país.

Camacho e o Benfica

Sven Goran-Eriksson, há quase dois anos, numa entrevista dizia que não lia jornais ingleses. Ou melhor, “de facto, eu compro-os. Compro-os por causa do Sudoku. Gosto disso”. Luís Filipe Vieira, acredita-se, compra jornais por causa dos títulos. E sacode treinadores por causa deles. A sua gestão na Luz tem sido feita de rituais de sacrifício: de jogadores, de treinadores e de dirigentes. Mas, mesmo assim, parece que chegou ontem para renovar a casa. O problema deste Benfica já não é a falta de qualidade de alguns jogadores, o défice de vontade de correr da maioria, a sensação de “funcionalismo” do sector do futebol. É, claramente, o presidente. Que já se prepara para colocar Rui Costa como mais um candidato a ser sacrificado por ele na próxima época se algo falhar. Camacho, obviamente, era limitado tacticamente. Fisicamente os jogadores pareciam cansados antes de entrarem. Mas se Fernando Santos era um equívoco e Camacho foi a continuação disso, só se espera agora que Vieira traga Peseiro. Aí sim, o arraial seria total. Com o presidente, como sempre, a dizer que a culpa da festa era do seu adjunto.

Uma Europa curiosa

José Manuel Durão Barroso adoptou, relativamente à legislação europeia, o princípio de que “menos é melhor”. Isto numa altura em que o alargamento da União Europeia para 27 membros causou tanto burburinho, porque se pensava que iria levar à sua paralisia. Justificação suficiente para as alterações institucionais do Tratado de Lisboa. Mas lendo um excelente estudo de Helen Wallace, professora do European Institute da LSE, percebe-se que essa argumentação é uma falácia. Em vez do sistema ter paralisado, pelo contrário abrandou o volume de legislação, assistiu-se a uma redução do tempo entre a entrada de propostas e as decisões e o tempo que os casos demoravam a ser julgados no Tribunal de Justiça Europeu foi reduzido. Isto apesar da entrada de 10 novos membros em 2004 (a Roménia e a Bulgária não são ainda analisados). O estudo diz que a Comissão se tornou mais “presidencial” com Barroso do que no tempo de Romano Prodi, mas que cada comissário se tornou mais identificado com o seu país de origem do que no passado. O inglês é a principal língua de trabalho. Em relação à contestação às decisões tomadas refere-se que, com o tempo, os novos países da UE começaram a elevar a sua voz, juntando-se aos mais habitais (Reino Unido, Espanha, Holanda, Itália, Alemanha e Suécia). Portugal, aparentemente, é dos que ou não contesta ou contesta pouco as decisões tomadas. Relativamente aos eurodeputados há a consciência de que os dos novos países são mais nacionalistas do que os dos países que há mais tempo estão na União. E, por fim, não deixa de ser curioso assinalar que os novos países são, geralmente, mais rápidos a transpor para a sua legislação as directivas comunitárias. Um estudo oportuno que merecia ser divulgado em Portugal.

The Wire, sempre

Estou a ver, em doses simpáticas, os 13 episódios da quarta temporada daquela que foi a série que mais me marcou desde há muitos anos: “The Wire”. Agora que saiu em DVD, no mercado britânico e americano, ela continua a ser uma verdadeira vertigem. É um olhar descomplexado e cirúrgico sobre os dilemas políticos, económicos e sociais de uma grande cidade (no caso Baltimore). A criatividade de David Simon e Ed Burns (a que se aliam escritores como Richard Price, George Pelecanos ou Dennis Lahane) é como um soco no estômago de todas as nossas certezas. Nesta quarta temporada seguimos os miúdos que vivem no meio do tráfico de droga (que será o futuro “profissional” para muitos) e vão à escola e as eleições, onde se buscam fundos de toda a maneira possível. Entre a tragédia grega e Charles Dickens, há aqui um olhar para o nosso século e para as nossas cidades. Algo que alguns se esquecem de ver.

Vampiros de fim-de-semana

Uma das mais curiosas descobertas musicais dos últimos tempos dá pelo nome de Vampire Weekend. Graduados na escola afropop (escute-se o notável “Upper West Side Soweto”), vêm de Brooklyn, nos EUA. Melodia e energia, influências dos períodos de influência africana dos Police e de Paul Simon (oiça-se, a propósito, “Cape Cod Kwassa Kwassa”) e, quem diria, da Joy Division, fazem um rock harmonioso e estimulante. Ah, o álbum chama-se, claro, “Vampire Weekend”.

Cartuxa com história

É um vinho para colocar provar, com calma, agora que o bom tempo ameaça chegar. O Cartuxa Tinto 2005 é um produto da Fundação Eugénio de Almeida, de Évora, e tem uma história já bastante conhecida. Feito a partir das castas Aragonez, Trincadeira, Alfrocheiro, Tinta Caiada e Castelão, tem uma estrutura assinalável e dele sobressaem bons aromas de frutos silvestres. É um vinho que, para além da sua qualidade, nos transporta para a memória solitária dos monges cartuxos que, por aquelas terras, devotavam o tempo à reflexão e à introspecção. Um encontro de simbolismos.

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