Opinião
Garantias fiscais e sobrevivência das empresas
A discussão da legalidade de uma liquidação de imposto, administrativa ou judicial, não desonera o contribuinte de efectuar o respectivo pagamento.
O contencioso fiscal tem-se tornado uma prerrogativa quase exclusiva das médias e grandes empresas, por força dos pesados encargos que acarreta, pelo elevado valor das custas judiciais, e também pela aplicação do princípio, embora mitigado, paga primeiro e obtém depois a restituição.
Este peso aumenta bastante pela necessidade de prestar garantias que trazem encargos financeiros pesados e diminuem correlativamente a capacidade de endividamento das empresas.
Esta tendência, que contraria o direito constitucional de acesso à justiça, tenderá a aumentar caso não se proceda a alterações fundamentais, incrementando a legalidade da actuação da Administração Fiscal e a celeridade das suas decisões, bem como das decisões dos Tribunais. Nomeadamente quanto às garantias.
A discussão da legalidade de uma liquidação de imposto, administrativa ou judicial, não desonera o contribuinte de efectuar o respectivo pagamento, pelo que recebida uma liquidação de imposto apresentam-se em alternativa: i) reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente o acto de liquidação, pagando; ii) reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente o acto de liquidação, não pagando - situação em que deverá garantir o pagamento da dívida através das formas previstas na lei para evitar o processo de cobrança coerciva da dívida, vulgo, execução fiscal.
O problema residiu, até há pouco, em saber, por quanto tempo, se é que esse limite existia, deveria o contribuinte manter essa garantia. Por esta representar um custo financeiro e um limite ao endividamento que punha em causa a sobrevivência de muitas empresas.
Com a entrada em vigor do artigo 183º-A, introduzido pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, parecia que o problema estava, pelo menos, em vias de resolução.
Passou a estabelecer-se um limite temporal para a manutenção das garantias, que é de 1 ano se o contribuinte apresentou uma reclamação graciosa ou de 3 anos se preferiu o recurso aos tribunais.
Actualmente, o problema é outro e assenta na falta de coordenação entre a Administração Fiscal e os Tribunais Administrativos e Fiscais, bem como na redacção do referido preceito legal, o que pode levar a afirmar que apenas em teoria o problema se encontra resolvido.
Na prática o contribuinte, pese embora tenha a lei, aparentemente, do seu lado, vê-se obrigado a manter a garantia até que seja proferida decisão pela Administração ou pelos Tribunais sobre a reclamação ou impugnação apresentada, o que poderá demorar vários anos. A situação de impasse reside no seguinte:
Findo o prazo estabelecido na lei (1 ou 3 anos) o contribuinte deve requerer a declaração de caducidade da garantia à entidade onde corre termos o processo em que se discute a legalidade da liquidação do imposto, que será a Administração Fiscal ou o Tribunal Administrativo e Fiscal, consoante tenha recorrido à via graciosa ou judicial.
Suponha-se que o contribuinte recorreu à via judicial, pois é aqui que residem as dificuldades. Neste caso o requerimento deve ser apresentado no Tribunal onde corre termos a impugnação judicial.
A norma analisada prevê que, se não houver resposta ao requerimento do interessado no prazo de 30 dias, «considera-se tacitamente deferido o requerido».
Apesar da aparente clareza da norma, que levaria um qualquer intérprete da lei a presumir que o contribuinte veria o seu direito garantido, mesmo na ausência de decisão expressa, certos Serviços de Finanças - à ordem de quem são prestadas as garantias em apreço - recusam-se a aplicar a lei, com o fundamento de não terem recebido do Tribunal uma instrução expressa a ordenar o levantamento da garantia.
Uma das soluções possíveis para este impasse, depende de uma alteração legislativa, estabelecendo que a competência para a verificação da caducidade é do Chefe do Serviço de Finanças, ou seja, da entidade competente para a instrução e apreciação do processo de execução fiscal.
Assim, penderia sobre a mesma entidade o ónus de declarar a caducidade da garantia e de proceder ao seu cancelamento, sem «intermediários». Na ausência de resposta, no prazo de 30 dias, nasceria, na esfera jurídica do contribuinte, o direito ao levantamento da garantia, por deferimento tácito do pedido de verificação da caducidade. Sempre, obviamente, com a faculdade de recurso para os Tribunais.
Este bloqueio tem de ser ultrapassado sob pena de se destruírem empresas viáveis pelos custos financeiros e pela diminuição do acesso ao crédito representado pela manutenção destas garantias.