Opinião
Filosofia na praia
Por esta altura do ano, costumo sugerir alguns livros. Não tendo interesse por leituras "light", escolhi duas edições recentes que representam o que de mais avançado e desafiante se tem publicado em matéria do pensar contemporâneo.
Por esta altura do ano, costumo sugerir alguns livros. Não tendo interesse por leituras "light", escolhi duas edições recentes que representam o que de mais avançado e desafiante se tem publicado em matéria do pensar contemporâneo. Com temáticas muito diferentes, os dois livros abordam questões filosóficas. Dada a irrelevância da filosofia académica, que insiste em não passar do enfadonho debate das etimologias, estes dois contributos resgatam perfeitamente o que pode e deve ser um pensamento filosófico a partir da realidade e dos conhecimentos dos nossos dias.
Manuel DeLanda é filósofo. Seguidor da obra de Gilles Deleuze, acrescenta-lhe contudo elementos fundamentais do conhecimento atual, como sejam a auto-organização, a emergência, a vida artificial ou a robótica. Dessa combinação têm surgido livros extremamente originais de que destaco o recém-publicado "Philosophy and Simulation: The Emergence of Synthetic Reason".
Emergência é aqui o conceito-chave. Fácil de explicar, é contudo difícil de entender. Refere a "produção" (emergência) de complexidade num determinado sistema através de simples interações dos seus componentes. Como essas interações são aleatórias, o comportamento não é linear e qualquer previsão torna-se impraticável. Conhecemos o mecanismo da meteorologia ou dos mercados financeiros, mas também da química ou da biologia. A vida é essencialmente emergente.
Se a ciência tem sabido aprofundar e explorar o conceito, através, entre outras coisas, da criação de algoritmos baseados nas propriedades emergentes, já a filosofia tem dificuldade em abordar algo que não é linear, nem decorre de uma relação de causa/efeito. Assim, para entender filosoficamente estas propriedades emergentes é preciso mergulhar nos processos. O que DeLanda faz através de uma elaborada análise dos autómatos celulares e da vida artificial, enfim da computação e suas implicações nos processos mentais.
O segundo livro é do biólogo Edward O. Wilson e tem o título "The Social Conquest of Earth". Conhecido pelo trabalho sobre formigas e outros insetos sociais - considerado aliás o maior especialista na matéria, o que lhe valeu um dos dois Prémios Pullitzer que obteve com o livro "Ants" em 1991 -, Wilson tem nos últimos anos abordado questões que podemos considerar filosóficas. Este livro começa, aliás, com a célebre inscrição de Gauguin, num dos quadros pintados no Tahiti, de onde vimos, quem somos, para onde vamos? Ou seja, qual é a origem e destino do humano?
Wilson é um cientista herdeiro de Darwin. Por isso, a resposta não tem qualquer vestígio de sobrenaturalidades, teleologias e outras fantasias. Wilson, mostrando aliás uma frontalidade rara num meio científico rodeado de fanáticos por todos os lados, considera que religião e ciência não são compatíveis e não vale a pena perder tempo com a procura de consensos.
Assim, o livro interroga-se, cientificamente, como foi possível a espécie humana ter-se tornado dominante no planeta? Pelo menos segundo os parâmetros da inteligência, da expansão e reconfiguração planetária de que somos os principais agentes nos últimos milénios.
Wilson defende que o momento chave foi o da socialização. Ou seja, a criação de laços de grupo, com a constituição de comunidades que perduram por muitas gerações e onde a divisão de tarefas incluí comportamentos altruístas. Socialização que não é exclusiva dos humanos. As formigas também vivem em sociedade, perduram como comunidade e têm atos altruístas. A começar pelo facto de abdicarem da reprodução, deixada a cargo da chamada rainha. Mas as diferenças são enormes. As formigas estão cá há 100 milhões de anos e evoluíram pouco. Pelo contrário, o género homo, com dois milhões de anos e a espécie Homo sapiens com cerca de 200 000 anos, evoluíram muito. Wilson aborda alguns dos mecanismos.
Este livro surpreende também com algumas ideias originais. Cito uma que fica aberta à vossa reflexão. Afirma que a prática frequente de sexo nos humanos, excedendo largamente a necessidade de reprodução, constitui uma adaptação genética que garante a proximidade do pai e assim a proteção das crianças. Chama-se "agarrar o marido".
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
Manuel DeLanda é filósofo. Seguidor da obra de Gilles Deleuze, acrescenta-lhe contudo elementos fundamentais do conhecimento atual, como sejam a auto-organização, a emergência, a vida artificial ou a robótica. Dessa combinação têm surgido livros extremamente originais de que destaco o recém-publicado "Philosophy and Simulation: The Emergence of Synthetic Reason".
Se a ciência tem sabido aprofundar e explorar o conceito, através, entre outras coisas, da criação de algoritmos baseados nas propriedades emergentes, já a filosofia tem dificuldade em abordar algo que não é linear, nem decorre de uma relação de causa/efeito. Assim, para entender filosoficamente estas propriedades emergentes é preciso mergulhar nos processos. O que DeLanda faz através de uma elaborada análise dos autómatos celulares e da vida artificial, enfim da computação e suas implicações nos processos mentais.
O segundo livro é do biólogo Edward O. Wilson e tem o título "The Social Conquest of Earth". Conhecido pelo trabalho sobre formigas e outros insetos sociais - considerado aliás o maior especialista na matéria, o que lhe valeu um dos dois Prémios Pullitzer que obteve com o livro "Ants" em 1991 -, Wilson tem nos últimos anos abordado questões que podemos considerar filosóficas. Este livro começa, aliás, com a célebre inscrição de Gauguin, num dos quadros pintados no Tahiti, de onde vimos, quem somos, para onde vamos? Ou seja, qual é a origem e destino do humano?
Wilson é um cientista herdeiro de Darwin. Por isso, a resposta não tem qualquer vestígio de sobrenaturalidades, teleologias e outras fantasias. Wilson, mostrando aliás uma frontalidade rara num meio científico rodeado de fanáticos por todos os lados, considera que religião e ciência não são compatíveis e não vale a pena perder tempo com a procura de consensos.
Assim, o livro interroga-se, cientificamente, como foi possível a espécie humana ter-se tornado dominante no planeta? Pelo menos segundo os parâmetros da inteligência, da expansão e reconfiguração planetária de que somos os principais agentes nos últimos milénios.
Wilson defende que o momento chave foi o da socialização. Ou seja, a criação de laços de grupo, com a constituição de comunidades que perduram por muitas gerações e onde a divisão de tarefas incluí comportamentos altruístas. Socialização que não é exclusiva dos humanos. As formigas também vivem em sociedade, perduram como comunidade e têm atos altruístas. A começar pelo facto de abdicarem da reprodução, deixada a cargo da chamada rainha. Mas as diferenças são enormes. As formigas estão cá há 100 milhões de anos e evoluíram pouco. Pelo contrário, o género homo, com dois milhões de anos e a espécie Homo sapiens com cerca de 200 000 anos, evoluíram muito. Wilson aborda alguns dos mecanismos.
Este livro surpreende também com algumas ideias originais. Cito uma que fica aberta à vossa reflexão. Afirma que a prática frequente de sexo nos humanos, excedendo largamente a necessidade de reprodução, constitui uma adaptação genética que garante a proximidade do pai e assim a proteção das crianças. Chama-se "agarrar o marido".
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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