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Esta gente nada diz de novo

A dr.ª Manuela Ferreira Leite não voga em ondas amenas. No seu partido, as divisões, dissensões e embaraços, além da intriga, são assinaláveis. Em público, o extraordinário Santana Lopes diz que a senhora é "deprimente."

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A dr.ª Manuela Ferreira Leite não voga em ondas amenas. No seu partido, as divisões, dissensões e embaraços, além da intriga, são assinaláveis. Em público, o extraordinário Santana Lopes diz que a senhora é "deprimente."

A afirmação não só é dura: é rude e cruel, mais pelo que insinua do que pela qualificação psicológica. Santana ainda acrescenta umas picardias, acaso movido pelo ressentimento e na busca de uma espécie de acerto de contas. Não consta que José Pacheco Pereira, tão lesto em criticar os primeiros planos da candidata, na excelente entrevista que Judite de Sousa lhe fez, na RTP, tenha manifestado a sua assanhada insurgência contra a crítica de Santana.

Por outro lado, começam a surgir dúvidas acerca dos méritos da dr.ª nas suas passagens ministeriais. Ao que se infere, quando ministra da Educação foi deplorável; e, na pasta das Finanças, um malogro. Os factos estão aí; os números provam-no. E os mais apetrechados nas matérias afirmam-no e reafirmam-no.

Mas perdemos um tempo incalculável com as ninharias de um processo político centrado no já visto e ouvido. Nenhuma das candidaturas à chefia do PSD suscita a curiosidade activa da população.

Parece um jogo em que a participação se movimenta num círculo fechado, ou numa redoma através da qual se movem sombras turvas. Que desejam estes senhores, e a senhora, bem entendido, para o País? Qual o projecto político e, decorrentemente, cultural e social que, cada um a seu modo, prevê para Portugal?

Bem pode Marcelo Rebelo de Sousa agitar a sua preferência: já poucos admitem que Manuel Ferreira Leite seja a salvadora. Mas também Santana Lopes (pobre Santana!, chega a ser comovente) e Pedro Passos Coelho ou quem quer que seja dos outros logram conquistar a adesão sincera das pessoas.

Nenhum deles possui capacidade, competência e talento para resolver os cada vez mais graves problemas nacionais. São maçadoramente vulgares, bocejantemente ineptos, catastroficamente medíocres. Quando Manuela Ferreira Leite inflecte o discurso para o "social", o que diz e a forma como o diz torna-se penoso por inconvincente. Poderá, acaso, vir a ser presidente do PSD. Porém, não atrasa nem adianta. Ela e os outros representam tudo o que de pior acalenta a Direita dos interesses.

Numa entrevista que o dr. Campos e Cunha, antigo ministro do Executivo Sócrates (de que fugiu espavorido), concedeu ao "Diário de Notícias" [18. Maio, p.p.], não escamoteou a perplexidade causada por esta democracia, que considera imperfeita e coxa.

A diatribe toca a todos. A mediania da sociedade portuguesa alastra como endemia. "Preocupa-me muito quase a exigência de um cartão partidário para se conseguir um negócio", afirma. Todos conhecemos a verdade; poucos a denunciam. Faz-me lembrar o episódio ocorrido entre Bertoldt Brecht e um actor que se lhe apresentou no Berliner Ensemble, ostentanto o cartão do Partido Comunista como referência. Brecht, que não era nada para graças, indicou à criatura a porta de saída. "Mostra-me o teu talento, não me mostres o cartão do partido!"

Se as coisas fossem mais claras, os desígnios mais transparentes, os objectivos mais definidos e a honra não fosse, constantemente, sovada - creio que se registariam melhorias substanciais no nosso viver quotidiano. Porém, olhamos em volta e assistimos a factos, cenas e acontecimentos que não só mancham de indignidade os seus protagonistas, como ferem de morte uma democracia sem raízes fundas.

Deixou de haver o pouco debate público (social, político, cultural, económico) que, de vez em vez, lá emergia da trivialidade. Não há crítica literária, nem artística, nem cinematográfica, nem política, nem nada. O maior crítico português, João Lopes, continua sozinho em campo, no exercício de uma actividade que, nele, assume a grandeza do espírito de missão. O que, neste sector, é publicado claudica por ignorância dos seus trôpegos autores.

Há por aí, creio que quinzenário, um "Jornal de Letras" dirigido por um poeta menoríssimo, simultaneamente réplica do Conselheiro Acácio e clone do Gouvarinho, que pratica a omissão e a rasura de nomes, entre os quais o meu, porque o escarmentei em público.

Quem chefia a Redacção foi um truculento militante da UDP, profeta de todas as liberdades e agitador emérito. Interpelei-o, certa manhã, na Casa da Imprensa: "Não tens vergonha de ser cúmplice desta pouca-vergonha?" Rouquejando, deu-me a seguinte ignominiosa resposta: "O jornal não é meu." Conto este episódio, por exemplar.

O caso de eu ser um dos protagonistas é meramente circunstancial. Torno-o público porque me cansei destes democratas instantâneos como o pudim flan. E se me chateiam, conto mais. Sei que omissões a outros autores, manigâncias de promoções e de esquecimentos deliberados acontecem em outras instâncias ditas "de comunicação." Ninguém se queixa e os novos Torquemadas gozam de total impunidade.

Estes incidentes revelam até que ponto a existência democrática em Portugal está seriamente avariada. Nos diversos territórios de actividade as perseguições, os favoritismos, as influências partidárias tornaram-se comuns. O que está a dar, por exemplo, é zurzir em Hugo Chávez, e em Evo Morales, agora que foi dada uma trégua a Fidel de Castro. Não se trata de negar o direito de quem quer que seja a criticar quem quer que esteja. Mas a unilateralidade do requisitório alardeia a falta de substância crítica.

Os estipendiados cobrem-se de lama, mas isso que importa se as benesses são amplas? O exemplo de "El Pais" poderia favorecer uma melhor identificação com a realidade. O grande diário espanhol tem uma tiragem superior a 2 milhões e 500 mil exemplares. Defendendo, embora, uma ideia de progresso e de liberdade e de justiça social, "El Pais" não se coíbe de criticar os líderes que prevaricam e de os elogiar quando o merecem.

Voltaremos, em breve, ao assunto.

APOSTILA - José Manuel Saraiva, autor do belo romance "Rosa Brava" (10 edições), acaba de publicar um outro, "Aos Olhos de Deus", um imaginativo texto baseado na embaixada de D. Manuel ao Papa. Lê-se de um fôlego: escrita clara, rápida e profusa; efabulação extremamente criativa, que não cede aos caprichos da negligência nem da fatuidade. Saraiva leva-nos aos meandros da alma humana, revela-nos as contradições e os pecados de quem se apresenta ao mundo sem mácula e sem vícios. Além do mais, uma sátira à Roma vaticana. Um fascinante romance. A ler, meus Dilectos.

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