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17 de Abril de 2007 às 13:59

Empreendedorismo e Desenvolvimento Regional: terá de ser assim?

Imagine uma qualquer região de Portugal. Numa área de 700 km², 40.000 habitantes estão dispersos por pequenos aglomerados populacionais, com tendência progressiva para a concentração. Estão a cerca de uma hora do litoral e a duas ou três horas das cidades

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É uma região "remota". No nosso país, "remoto" é uma dimensão psicológica, mas bem real.

Na região a população tem vindo a decrescer e também a envelhecer: o índice de envelhecimento – o número de pessoas com 65 anos ou mais por cada 100 jovens com idade inferior a 15 anos – era de 140 em 2002 e de 90 em 1991. Cerca de 17% dos habitantes não tem qualquer escolaridade e 42,8% tem o primeiro ciclo do ensino básico. Em 2002, 4.214 empresas tinham sede na região. A maior parte, 85%, são pequeníssimas empresas, com uma média de três trabalhadores, mas responsáveis por 33% do emprego e 31% das vendas da região. Nada desprezível portanto.

Tome-se como exemplo uma bordadeira que abriu uma loja onde vende bordados regionais. A loja abre às 9 horas, fecha às 13, reabre às 15 e fecha às 19. Aos sábados abre de manhã. "É o horário do comércio" diz a bordadeira sem se perguntar porquê. Uma cliente entra, afaga o gato de olhos regaladamente fechados e interessa-se por um bordado: "como se faz este ponto?". "Perguntam-me isto muitas vezes, ou então: "que ponto é este?", e eu explico e outras vezes ensino". A palavra vai passando de cliente a cliente, fazem-lhe encomendas até pelo telefone e "eu envio assim à confiança; já não chego para as encomendas". E se admitisse mais pessoas, fizesse o seu negócio crescer? Lá "fora", tem muita gente que se interessa por estas coisas, que quer comprar, digo eu. E olhamos ambas para esse "fora" através das ruas calcetadas e desertas, das portas fechadas e janelas corridas daquela terra que se recorta nos montes donde nada mais se vê senão o céu. Que não, que hoje já ninguém se interessa por aquele trabalho, assim está bem.

Estava desempregada e, em 2001, entusiasmaram-na a procurar um subsídio no Centro de Emprego local. É um Programa de Estímulo à Oferta de Emprego, o PEOE, mas que também tem o objectivo de apoiar projectos que dêem lugar à criação de empresas e contribuir para a dinamização das economias locais. Entre 2001 e 2004, segundo um estudo feito no ISCTE sobre a região, o PEOE concedeu subsídios no valor de 1.420 mil euros a 73 iniciativas que criaram 125 postos de trabalho. Para aceder, pelo menos 50% dos promotores têm de estar desempregados; têm de dar origem à criação líquida de emprego; recrutar apenas entre os desempregados inscritos no Centro de Emprego ou de pessoas à procura do primeiro emprego, e assinarem com estes contratos de trabalho sem termo obrigando-se a mantê-los durante um período mínimo de quatro anos.

A nossa pergunta era como podem condições basicamente antiempreendedoras apoiar o empreendedorismo ou o desenvolvimento regional? "Vai-se arranjando maneira, mais vale isto do que nada", explicou-me a bordadeira, mas a literatura e as experiências de outros países dizem-nos que o desenvolvimento regional se consegue através: (1) do comércio e da partilha de informação com outras regiões porque promovem a competitividade, a eficiência e o conhecimento; (2) de um processo endógeno que apenas ocorre mais em cidades porque estas fornecem mais meios de interacção local, facilidades de abastecimento e massa crítica; (3) de uma intervenção governamental que forneça um conjunto de condições que promovam a competitividade regional. Estas incluem o apoio à construção de capital humano na região através da educação contínua, da atracção e da retenção de indivíduos com talento. Factores como a qualidade de vida e as oportunidades de conhecimento que uma região pode oferecer são fundamentais. Além disso, devem obedecer a uma "arquitectura estratégica": pensadas para o longo prazo, permitem actuar no curto prazo; são interdependentes; consideram que cada região é um caso e; não impõem condicionamentos que impeçam qualquer tipo de empresa de inovar ou de responder à mudança.

Na região que estudámos por um período de quatro anos demos com um acontecimento singular, como se o girassol deixasse de olhar o sol e se virasse para as nuvens: em nenhuma das empresas tinha ocorrido qualquer rotação de pessoal, nem despedimentos nem novas contratações. As empresas estavam exactamente como no início: nem crescimento, nem conquista de novos mercados, nem inovação. E a região continuava tão "remota" como dantes, talvez um pouco mais envelhecida. Multiplique isto por quantas regiões assim o país tem e agora diga-me: terá de ser assim?

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