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24 de Outubro de 2002 às 13:56

e-Gov: Onde é que anda o «e»?

Governo Digital é informatizar todas as áreas de actividade de uma instituição e apresentar instrumentos de comunicação com o exterior que permitam a transferência de dados e a integração automática!

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Os inquéritos sobre o e-Government em Portugal fazem-me lembrar os estudos de mercado sobre a lavagem dos dentes: todos dizem que a modernização da Administração Pública passa pelo e-Gov e todas as pessoas respondem que lavam os dentes várias vezes ao dia.

Agora vamos aos números. A começar nos dentes, se uma pessoa os lava todos os dias, depois de todas as refeições, não parece estranho que, no meio de um questionário, responda que compra apenas uma pasta dentífrica por mês? Ou que muda de escova de dentes a cada dois anos?

É evidente que neste tipo de inquéritos, em que as respostas são comprometedoras ou intimidantes, as pessoas tendem a mentir. Por isso mesmo, existem perguntas que permitem cruzar informações e analisar até que ponto os dados iniciais transmitidos são verdadeiros. É óbvio que, se não lavar os dentes diariamente, uma pasta pode durar mais de dois meses!!!!

Agora vamos ao e-Government, ou, dito à portuguesa, Governo Digital. Os principais estudos publicados sobre o nosso país demostram que existe boa vontade dos governantes em investir na modernização das tecnologias de informação, para promover o uso da Internet nos seus organismos e nos cidadãos que interagem com eles. Só que daí até concretizarem os projectos vai uma grande distância. Ora faltam verbas, ora falta organização. É como os dentes... lá que devemos lavá-los, lá isso devemos...

Não temos os 100 milhões de dólares anunciados pelo Presidente Bush para os próximos três anos, mas temos o eEurope, os Fundos de Financiamento (QCA III), o Programa Operacional da Sociedade de Informação (POSI) ou As Cidades e Regiões Digitais. Será que nenhum destes programas satisfaz as necessidades dos vários organismos públicos?

As metas do eGovernment para Portugal também são claras: em 2002, todos os formulários públicos devem estar online (será?); em 2003 deverá existir uma submissão electrónica generalizada (hum...) e em 2005 todos os serviços públicos devem estar online (ainda temos tempo...). O programa do XV Governo Constitucional determina que «os sites do Governo deverão ser, para além de informativos, acessíveis, interactivos, transaccionais, seguros e personalizados».

Já temos alguns bons exemplos que importa destacar, como sejam o site da Direcção-Geral de Registos e Notariado (www.certidoes.mailcom.pt), do Instituto de Emprego e Formação Profissional (www.seg-social.pt ); do Instituto Português do Património Arquitectónico (www.ippar.pt); da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (www.dgci.mailcom.pt) e a mais recente novidade da DGCI – um site directo para as declarações electrónicas (www.dgci.gov.pt) e com um novo «look»!

Este último site foi bastante utilizado pelos portugueses para a entrega da declaração de IRS que, como recompensa, foram dos primeiros a serem re-embolsados. Será difícil atingir os números do Brasil – 12,21 milhões de declarações via web – e, quando o tempo estava prestes a terminar, o sistema recebeu mais de 100 mil declarações por hora (capacidade máxima de 150 mil)! Uaua!

Em Lisboa, quando passava por alguma repartição de Finanças e via aquelas filas infindáveis para entregar a declaração de IRS nos últimos dias, tinha vontade de instalar uma roulote, com um PC e uma linha telefónica, para preencher as declarações por internet e cobrar 10 euros por cada uma! É igual ao impulso que sinto quando vejo filas enormes de carros para pagar a portagem nos fins de semana prolongados ou no regresso de férias. Tenho vontade de sair do carro e distribuir propostas de adesão à Via Verde!

Pode parecer utópico, mas um bom site da Administração Pública é mais ou menos como a Via Verde. O funcionário público não precisa parar, analisar pacientemente se o formulário está bem preenchido e sabe-se lá com que ortografia, rever tudo de novo quando a pessoa não conseguiu preenchê-lo à primeira, e depois ficar até mais tarde (?) ou acumular serviço para introduzir os tais formulários no sistema de informação do seu departamento.

Um exemplo perfeito deste processo são as autarquias. Podem desenvolver um site onde o munícipe preencha diversos formulários online – pedidos para obras particulares, para certidões de propriedade horizontal, etc. – que só é validado pelo sistema se todos os campos estiverem correctamente preenchidos e poupa uma série de tarefas (verificação, introdução de dados, arquivo de documentos em papel, etc) aos funcionários!

Um estudo recente da Neoris sobre a «Modernização Administrativa Segundo os Autarcas» mostra que estamos longe desta realidade. Quando foram analisados os serviços disponíveis nos sites das autarquias, apenas 39% permitiam fazer o «download» de declarações e formulários, o que representa 22% do total de inquiridos. O cenário ficou mais dramático quando se analisou a possibilidade de preenchimento e a entrega online desses mesmos documentos... porque muito poucos o permitiam fazer!

Este é o «busílis» da questão: os sites com as fotografias do presidente da Câmara, os órgãos camarários, as juntas de freguesia, dicas sobre a gastronomia da região e informações sobre os monumentos da terra não são e-Gov! Podem chamar-se qualquer outra coisa... Governo Digital é informatizar todas as áreas de actividade de uma instituição e apresentar instrumentos de comunicação com o exterior que permitam a transferência de dados e a integração automática!

A partir daqui, basta um pouco de imaginação para facilitar as tarefas mais complicadas e mais dispendiosas. Por exemplo, a gestão do site deverá permitir ao funcionário da instituição a possibilidade de criar novos formulários ou alterar os existentes, evitando gastos em impressão de resmas de papel de formulários que se tornam obsoletos com alguma facilidade. Poderá integrar sistemas de pagamento como qualquer outro site de compras online. Invente e re-invente o site de acordo com as suas necessidades!

De futuro, faça chuva ou faça sol, com greve da função pública ou com fins de semana prolongados, vai poder executar uma série de tarefas que lhe antecipavam dores de cabeça e nós no estômago. O e-Government não é uma panaceia para todos os males mas acelera e simplifica muitos processos. É como lavar os dentes várias vezes ao dia: não evita as idas ao dentista mas reduz a probabilidade de cáries.


Marta Lopes


Directora de marketing da e-chiron

Comentários para autor e editor para mlopes@echiron.com

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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