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Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és

Perante a incerteza do contexto e as dificuldades do caminho tem-se colocado a questão se o esforço do ajustamento valerá a pena. Será quase paradoxal mas, dado que ainda não atingimos um estádio de auto-suficiência, económica e financeira, mínimo, o esforço é importante para suavizar o impacto na actividade económica e no padrão de vida dos portugueses.

Perante a incerteza do contexto e as dificuldades do caminho tem-se colocado a questão se o esforço do ajustamento valerá a pena. Será quase paradoxal mas, dado que ainda não atingimos um estádio de auto-suficiência, económica e financeira, mínimo, o esforço é importante para suavizar o impacto na actividade económica e no padrão de vida dos portugueses.

Os desenvolvimentos das últimas semanas tiveram quase todos o mesmo denominador comum: o maior cepticismo com a resolução dos problemas que assolam a UEM. As repercussões da cimeira de Outubro, com os receios de que o novo mecanismo de financiamento de emergência dos Estados-membros seja insuficiente para as necessidades; as tensões institucionais; a adesão relativamente tépida dos investidores internacionais às emissões individuais e conjuntas de dívida europeia, criaram um clima propício ao rumor e à instabilidade, e sem resposta convincente por parte das autoridades europeias. Dentro de dias, nova oportunidade para congregar entendimentos e compromissos em torno de um projecto que sempre se assumiu como radical.

Neste quadro, a percepção de que uma parte do processo e do sucesso do programa de ajustamento já não depende só das acções de Portugal, mas evolui para um plano onde a nossa capacidade de influência é menor, tem contribuído para algum desânimo e relaxamento no grau de compromisso com os objectivos que o programa se propõe. Donde a pergunta mais recorrente: valerá o esforço? O "marginalismo" sugere-nos que aferir sobre a valia do esforço é sempre pertinente, mas sê-lo-á ainda mais à luz dos desenvolvimentos recentes. Cada um terá os seus critérios de avaliação. Nesta breve nota recorremos a duas incapacidades de que Portugal padece actualmente: o acesso a financiamento e o desequilíbrio externo.

Actualmente, a economia portuguesa dispõe essencialmente de dois canais de financiamento, ambos de natureza institucional: o BCE e os fundos decorrentes do programa de ajustamento. A capacidade de financiamento dos bancos nos mercados internacionais está fortemente debilitada e da parte das empresas que se financiavam no exterior as iniciativas recentes sugerem igualmente condições de financiamento mais gravosas. O Estado não emite dívida de longo prazo, as subscrições de certificados de tesouro estão muito aquém dos resgates nos certificados de aforro, as emissões de curto prazo têm servido sobretudo para refinanciar dívida que se vence. Sem fundos provenientes da UE/FMI não haveria capacidade para reembolsar dívida nem para financiar o défice público adicional. Sem a alternativa de financiamento pelos mecanismos normais junto do BCE, o esforço de desalavancagem sobre o crédito ao sector privado seria brutal e repentino, com consequências dramáticas.

Para aceder à liquidez do BCE, a qualidade de crédito, aferida formalmente pelas agências de notação financeira aos títulos que servem como colateral é muito relevante – com regime de excepcionalidade aplicado aos títulos de dívida pública dos países que estão sob um programa de ajustamento. Qualidade essa que se encontra pressionada pela conjuntura económica adversa e pela incerteza do quadro institucional. Cumulativamente, os investidores reagiram com desagrado às decisões tomadas nas cimeiras de Julho e de Outubro, afectando profundamente o funcionamento dos mercados interbancários europeus e a eficácia do mecanismo de transmissão monetária.

Neste contexto, existe alguma expectativa de que, fiel ao mandato da estabilidade financeira e perante um quadro de inoperância dos mecanismos de financiamento regular, dos Estados e do sistema financeiro, o BCE possa, na reunião da próxima semana, decidir, ou indiciar nesse sentido, pela revisão das condições para a cedência de liquidez ao sistema bancário. De entre as várias possibilidades, entre as quais nova redução das taxas de juro, a suavização dos requisitos mínimos na definição de colateral elegível para as operações de política monetária poderia ser importante para reforçar a capacidade disponível dos bancos portugueses para acederem a fundos do BCE.

Como espelho, ou origem, das necessidades de financiamento está a balança corrente e de capital do país. Não obstante os progressos já havidos, o país como um todo continua a usufruir acima das suas possibilidades. O défice comercial e corrente estimado para o corrente ano é de cerca de 6,5% do PIB. Foi de 8,7% do PIB no primeiro semestre do ano. Já é inferior à norma dos últimos anos, mas, por ora ainda é um défice, e como tal necessita ser financiado, razão pela qual dependemos, quase, na totalidade dos termos do acordo firmado. Portanto, o esforço é essencial para proporcionar algum gradualismo no ajustamento e respectivas repercussões na actividade económica e nos nossos padrões de vida.

A questão evolui, então, para o tipo de comportamentos que permitam minorar o esforço. Ao longo dos últimos anos, já evoluímos de forma bastante palpável no redireccionamento da nossa despesa, sempre que possível e racional, a favor de produtos e serviços de produção nacional. Passou a ser elemento integrante da publicidade porque critério de decisão no acto de compra. Eventualmente uma das razões pelas quais o processo de redução do défice externo apresenta um bom ritmo. Do lado do financiamento, idêntico compromisso é desejável e, é um facto, tem-se materializado no redireccionamento das poupanças para produtos financeiros mais facilmente transformáveis em crédito à economia. É indispensável manter este compromisso, não obstante alguma inconsistência implícita nas decisões fiscais recentes ou nas exigências regulamentares muito restritivas.

Não sabemos que condições irão prevalecer ao nível do financiamento institucional europeu, desconhecemos a propensão do BCE a rever os critérios de financiamento aos bancos. São factores de risco. Mas, tal como temos vindo a fazer relativamente ao relacionamento comercial com o exterior, a internalização dos recursos financeiros disponíveis assume-se estratégica na defesa da probabilidade de sucesso do programa de ajustamento português.



Gabinete de Estudos do Millennium BCP
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