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Luis Macedo e Sousa 03 de Dezembro de 2004 às 14:24

Da participação pública aos Orçamentos participativos

A participação pública na vida quotidiana dos municípios, é mais um dos componentes, da imensa nebulosa em que se transformou a relação das pessoas com a organização do Estado.

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A participação pública na vida quotidiana dos municípios, é mais um dos componentes, da imensa nebulosa em que se transformou a relação das pessoas com a organização do Estado.

O sistema democrático de exercício do poder local, tal como vigora, apesar da heterogeneidade dos Executivos, está orientado para a governabilidade, isto é para a estabilidade dos mandatos.

A participação, formal nos actos eleitorais e, frequentemente informal, nas relações que se estabelecem no quotidiano das comunidades locais, não parece ser suficiente para responder à seguinte questão: até onde vai (ou pode ir) a participação pública?

É que, qualquer actuação que se desenvolva (ou a sua ausência), tem uma leitura política no interior da autarquia, mas também na sua envolvente exterior.

A participação pública formal, sistemática, pode não vir a ter uma tradução correspondente em votos, mas, no entretanto, é um bálsamo para as consciências dos decisores e um anestésico para os eventuais competidores pelo mesmo espaço funcional, e ainda deprecia os mal-dizentes do costume.

Mas, todos os dias à nossa volta, o mundo muda mais rapidamente do que nos damos conta e o papel e desempenho dos poderes, recentrou-se na sociedade contemporânea.

Para quem entende (a larga maioria) o exercício do poder local como meramente instrumental ou utilitário, a participação pública oscila entre a crescente insatisfação pelo buraco no passeio ou o lixo espalhado na rua quando se sai de casa e consequente reacção intempestiva, ou, no outro extremo, pela participação, casuística, nalguma iniciativa de que se tomou conhecimento.

Quando isto acontece é muito provável terem-se reunido um conjunto de condições extraordinárias – é que nos dias de hoje, goste-se ou não, cada um de nós, nos centros urbanos mas também em localidades onde tal se julgava improvável, é um cidadão do mundo, autónomo, com mobilidade ampla, conhecimento e opinião mesmo se superficial, sobre quase tudo, um cidadão da informação em tempo real, em que o tempo disponível é um bem escasso, pelo que deve ser utilizado prioritariamente em proveito próprio.

Entre os desejos e as expectativas, não sobra assim muito espaço para a participação pública nos actos do poder local tal como a imaginamos, livre e descomprometida, quantitativamente significativa, presencial e recorrente.

Mas, se há virtude que pode ser assacada ao ser humano, é a da tenacidade. É assim que surge, importada ao que parece do Brasil, a ideia do Orçamento Participativo.

Supostamente pretende-se que os munícipes tenham uma influência directa na preparação dos orçamentos municipais: deve-se gastar mais dinheiro aqui ou ali, investir mais, por exemplo, no Ambiente ou na Educação?

A ideia tem o mérito associado de obrigar os seus destinatários a pensar, a ocupar uma parte do seu tempo, por pouco que seja, com o seu município, a exteriorizar alguma margem de criatividade, a exercitar a válvula da identificação e satisfação com a actividade das Autarquias Locais.

Mas não há bela sem senão, e o Orçamento Participativo, tal como se apresenta, ao esgotar-se num simples inquérito de opinião associado a um esforço de sedução, tende a aumentar a dissonância entre as partes.

É que a complexidade de construção, a gestão e sua arte de manipulação (no bom sentido da palavra) de um orçamento municipal, não é compaginável com uma espécie de gestão popular e directa do mesmo.

A participação pública é naturalmente importante mas, mais do que mascarada deve ser doseada em função da realidade, e, sobretudo, ser complementada por algo que os nossos poderes andam arredios: o exercício do direito dos cidadãos poderem intervir com alguma regularidade e equilíbrio no processo de decisão em matérias importantes, também ao nível local.

E essa gota de qualidade acrescentada à democracia local, está nas mãos dos municípios.

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