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Opinião
06 de Abril de 2011 às 11:26

Compreender os Desastres Japoneses

Numa altura em que todos tentam compreender o impacto económico e financeiro da calamidade que se abateu no Japão, é tentador procurar analogias históricas como linhas orientadoras.

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Na realidade, muitos apressaram-se a citar o resultado do terrível sismo de Kobe, no Japão, em 1995. Mas mesmo que este exemplo lance algumas ideias, a verdade é que o exemplo é limitado demais para perceber o que se vai seguir no Japão. Além disso, uma excessiva confiança nas consequências desse evento podem enfraquecer as respostas políticas apropriadas no momento, tanto no Japão como no estrangeiro.

Em primeiro lugar, comecemos por considerar as semelhanças entre a actual tragédia e a de 1995. Ambas envolveram terríveis sismos que resultaram num tremendo sofrimento humano e em danos materiais em larga escala. Ambas exigiram ao governo japonês uma considerável agilidade nos esforços de resgate. Ambas impulsionaram múltiplas ofertas dos amigos e dos aliados de todo o mundo. Nos dois casos, a destruição da riqueza foi acompanhada por perturbações na vida económica quotidiana.

Também há importantes semelhanças naquilo que se segue. Tal como no caso de Kobe, o actual foco no resgate a sobreviventes vai ser seguido por um enorme programa de reconstrução. Será feita uma grande fixação de verbas orçamentais (2% do PIB depois de Kobe). As famílias afectadas pela catástrofe vão receber assistência financeira para ajudar a restabelecerem a normalidade às suas vidas. As estradas, as casas e muitas outras infra-estruturas vão ser reparadas ou melhoradas.

Estas semelhanças têm levado vários economistas a fornecerem previsões sobre as consequências económicas globais e nacionais, incluindo uma profunda recuperação em forma de V na taxa de crescimento do Japão em 2011: a recessão inicial vai ser seguida por um crescimento súbito da actividade económica, que implica uma rápida recuperação no nível do PIB e no valor colectável do país. Essas previsões aconselham prudência contra reacções exageradas por parte dos decisores políticos fora do Japão. Mais do que interiorizarem imediatamente a evolução japonesa, os decisores políticos devem considerar os efeitos na economia global como “transitórios” – ou seja, temporários e reversíveis – e, assim, olhar para além deles quando projectarem as suas respostas.

Mas há um risco – esta abordagem pode subestimar as consequências domésticas e internacionais do desastre japonês. Como tal, pode contribuir para respostas insuficientes dentro do Japão – do governo às empresas e famílias – e também noutras nações. De facto, um erro de diagnóstico pode adiar aquilo que acredito ser uma recuperação sólida no Japão.

Há cinco factores que mostram que o Japão enfrenta um conjunto de desafios incertos, difíceis e sem precedentes. Primeiro, os danos económicos das três calamidades do Japão (um sismo violento, um tsunami devastador e uma crise nuclear) podem muito bem duplicar os de Kobe. E, ao contrário do acidente de 1995, estas calamidades afectaram Tóquio – felizmente, indirectamente –, onde está localizada 40% da produção industrial do Japão.

Em segundo lugar, as finanças públicas do Japão estão mais frágeis do que em 1995 e os factores demográficos são menos favoráveis. Actualmente, a dívida pública interna está perto dos 205% do PIB, comparada com os 85% que marcava em 1995. O “rating” da dívida soberana do país está em AA-, e não em AAA, como há 16 anos atrás. Isto limita a flexibilidade e, em último caso, a eficácia das respostas orçamentais.

O terceiro ponto é que as taxas de juro de referência estão quase perto de zero e têm estado assim há algum tempo. Isso debilita a força da política monetária, não obstante as medidas ousadas e imaginativas adoptadas pelo Banco do Japão para injectar liquidez no mercado.

Em quarto lugar, a soma das destabilizadoras incertezas nucleares ao terrível impacto dos desastres naturais aumenta os desafios da reconstrução. Dados os danos e os perigos, vai ser preciso algum tempo para que o Japão restabeleça totalmente as suas capacidades energéticas, o que irá afectar a taxa de crescimento do PIB. A segurança alimentar e o impacto económico das incertezas nucleares no sistema psicológico dos japonês também são preocupações.

Finalmente, o ambiente externo hoje em dia é mais desafiante. Durante o período de reconstrução que se seguiu ao sismo de Kobe, a procura mundial era animada e a produtividade crescia, o que se deveu ao “boom” que a China estava a atingir, à revolução das tecnologias da informação e da comunicação nos Estados Unidos e à convergência política e económica na Europa.

Actualmente, a procura agregada nas economias avançadas ainda está a recuperar da crise financeira global. Ao mesmo tempo, as economias emergentes mais importantes, como o Brasil e a China, estão a colocar travões nas suas políticas, de forma a impedir um sobreaquecimento económico. Enquanto isso, no lado da oferta, os países estão, neste momento, a lidar com preços das matérias-primas altos e voláteis, incluindo o aumento dos preços do petróleo, que sobem em resultado das revoltas no Médio Oriente.

Se esta análise se provar correcta, o desafio da reconstrução no Japão será mais difícil agora do que depois do terramoto de Kobe. As consequências negativas na riqueza e nos rendimentos vão ser mais severas e o processo de recuperação provavelmente vai levar mais tempo e será mais complexo.

Ao nível nacional, isso pede, de forma urgente, um grau de unidade e de determinação que tem estado ausente das políticas japonesas nos últimos anos. Sem ele, vai ser difícil para as autoridades comunicarem e implementarem a visão económica a médio prazo que coloca o crescimento rápido e sustentado, e não apenas a reconstrução, no centro da resposta política.

Os desastres japoneses vão também somar-se aos ventos desfavoráveis que atingem a economia global – seja eles o impacto de uma queda inicial no consumo na terceira maior economia do mundo ou interrupções nas cadeias de fornecimento globais (nomeadamente nos sectores tecnológico e automóvel). A crise nuclear no Japão também vai significar uma maior incerteza sobre a energia nuclear noutros países.

Há ainda o ângulo financeiro, cuja importância depende da junção de um novo endividamento estatal, da monetização [converter títulos de dívida em dinheiro] da dívida e da repatriação das poupanças japonesas que são usadas para financiar o programa de reconstrução do Japão. Quanto maior a componente da repatriação, maior o impacto negativo em alguns mercados financeiros.

Por isso, por mais tentador que pareça, é melhor evitar atalhos nesta fase inicial. Vai levar algum tempo até que, através de análise, se possam especificar as verdadeiras consequências da tripla calamidade do Japão, incluindo o impacto a longo prazo na sua economia e no resto do mundo.

Os japoneses mostraram uma coragem admirável ao enfrentarem uma tragédia inimaginável. Não tenho dúvidas de que um programa de reconstrução bem sucedido vai levar o país para a recuperação. Entretanto, a urgência de devolver um sentimento de normalidade e de esperança a uma sociedade tremendamente ferida exige análises sérias e profundas.


Mohamed A. El-Erian é o presidente e co-director de investimento da PIMCO, a maior gestora de fundos de investimento a nível mundial.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org



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