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Vi o debate entre Sócrates e Santana Lopes. Pareceu-me razoável, tendo em conta a natureza de tais exercícios onde nunca há tempo, nem contexto, para uma abordagem profunda de nenhum assunto.

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O novo modelo também resultou bastante melhor do que a gritaria habitual onde ninguém, nem nada, se entende. Mesmo Santana Lopes conseguiu dizer duas ou três frases com sentido. Coisa que no seu caso é um feito notável.

Por isso diria que o debate em geral correu bem e esclareceu, nos limites de um programa de televisão, aquilo que se pode esclarecer.

Deve contudo começar por dizer-se que a importância deste tipo de confrontos verbais é muito diminuta. A menos que suceda algum dislate monstruoso, daqueles que colocam em causa a seriedade ou sanidade de um político, dificilmente alguém altera a sua intenção de voto por causa de uma tão pueril prova oral. Mesmo no caso dos indecisos também ajuda pouco, pois a condição de indeciso deriva precisamente, na maioria dos casos, de um desinteresse militante pela discussão política.

Estes debates servem essencialmente para confortar os acólitos e, acima de tudo, para gerar mais algum tempo de espectáculo à borla para as televisões. Daí que sejam os canais televisivos a dar uma enorme importância ao assunto, sempre com o exagero e extremo empolamento a que nos habituaram no tratamento de tudo e de nada. Quanto ao resto e se exceptuarmos o jornal Expresso que editou o suplemento mais nulo de que há memória, transcrevendo em letra de imprensa a trivial conversa, a maioria dos restantes jornais ficou-se pela notícia e alguns artigos de opinião, como é próprio e natural.

Já verdadeiramente surpreendentes foram os debates sobre o debate que se seguiram na RTP e na SIC Notícias com os comentadores do costume. Dificilmente se compreende qual a utilidade pública de tais tertúlias. Hoje, talvez como efeito perverso dos media, a maioria dos comentadores residentes na televisão não são melhores do que os políticos que criticam e muitos são bem piores. Não conseguem exprimir uma ideia coerente, não têm independência intelectual, e muito menos política, e resumem a crítica à má língua e tantas vezes a ataques pessoais.

Justificados pela vontade de contribuir para o esclarecimento público, são hoje uma das maiores fontes de instabilidade, confusão e incerteza. Porque na realidade não esclarecem nada, ficando-se por uma desvalorização obstinada da classe política, muita má fé e desinformação.

É certo que a existência de canais de divulgação de opiniões e comentários é muito positiva. Quer se trata de imprensa escrita, rádio, televisões e hoje também da Internet e não só por via dos blogues, a expressão livre de opiniões e visões sobre praticamente todos os assuntos, é extremamente enriquecedora da realidade política e torna as sociedades mais exigentes e dinâmicas. E tanto mais quanto se permite o máximo de liberdade e o máximo de diversidade.

Contudo, em particular nos grandes meios, como a televisão, assiste-se a um exagerado uso do comentário como forma de intervenção política disfarçada. Num jogo pouco sério, nada transparente, muito viciado e nada plural. Tanto uso e abuso dos mesmos comentadores, cada um com as suas agendas próprias, as suas relações perigosas e até as suas opções políticas e partidárias, leva a que a generalidade das pessoas vá perdendo a confiança na independência e justeza dos comentários. Também aqui o crédito se vai esgotando.

É por isso que tal como aconteceu noutros sectores da sociedade portuguesa, a qualquer momento pode rebentar um escândalo em torno dos comentadores televisivos. Afinal não é só o sistema político, o futebol ou a justiça que têm graves problemas de credibilidade. O jornalismo não é diferente e, como no resto, a par de muitas pessoas sérias e profissionais, existe também muita gente corrupta, mal formada e que usa os media para exclusiva defesa de interesses particulares.

E aqui, tal como em tantas outras matérias, os políticos deviam dar o exemplo. Em vez de correrem atrás dos jornalistas e dos comentadores, deviam, ao invés, seguir estritas regras de comportamento. Procurando um relacionamento mais distante, mais regulado e totalmente concentrado na comunicação de efectivo interesse público. A promiscuidade entre políticos e jornalistas é tão ou mais perigosa do que a que acontece entre política e futebol ou política e negócios. Por isso também aqui é preciso mais ética, mais rigor e total transparência.

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