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31 de Maio de 2016 às 09:30

César das Neves: Um consenso político que assuma as dificuldades

Portugal conseguiu quase deixar de depender da sorte. Essa é a nossa grande desgraça.

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Todos os povos e pessoas vivem sujeitos a uma perplexidade básica que é própria da natureza humana. Por mais que se planeie, por muito que se controle, a vida e a realidade estão sempre para lá do nosso domínio. Se isso é verdade sempre, este destino torna-se ainda mais visível em momentos de intensa transformação, como os que tem vivido esta geração. Por isso é que todos os países, envolvidos em fortíssima evolução tecnológica, financeira e geoestratégica, se sentem flutuantes numa maré de acaso. Neste enquadramento só existe uma circunstância que pode garantir um cenário certo e seguro: quando um povo comete erros graves, que o condenam a um calamidade garantida.

Portugal durante a ditadura deixava poucas coisas à sorte, procurando controlar o mais que podia. Depois, nos primeiros vinte anos após a revolução, decidiu arriscar um caminho de democracia e integração. Era um percurso arriscado, onde teria de sofrer os ventos da sorte. O resultado foi excelente, conseguindo estabilizar um regime de liberdade e progresso. Foi então que  ressurgiu o velho fantasma que nos tinha assolado na pimenta da Índia e no ouro do Brasil: o dinheiro fácil. Graças ao crédito barato dentro do mercado único europeu, Portugal pensou que podia encontrar uma via segura para a prosperidade sem depender da sorte das inovações, investimentos e projectos. Foi esse mito que nos trouxe à crise que hoje vivemos.

A esmagadora dívida pública e privada actual traça-nos um percurso que pouco depende da sorte. Nos próximos anos é certo e seguro que vamos viver em austeridade e venda de património, até conseguirmos recuperar a nossa independência. A alternativa de revolta e calote, que alguns recomendam, resultaria numa situação com ainda menos sorte, no isolamento, descrédito e caos. Nos próximos anos, portanto, dependeremos pouco da sorte.

A pergunta interessante é, pois, o que Portugal tem de fazer para voltar a depender da sorte? A resposta baseia-se em dois elementos essenciais. O primeiro é ultrapassar o choque da crise. Usando os cinco estádios da aflição, Portugal passou os últimos oito anos sucessivamente em negação, raiva, negociação e depressão. Só resta o estádio final de aceitação. Precisamos de um consenso político que assuma as dificuldades e trace uma solução razoável para elas. Felizmente, e ao contrário de episódios paralelos da nossa História, desta vez temos países aliados que têm ajudado e podem continuar a ajudar. Desde que nos mostremos empenhados numa solução.

O segundo aspecto é voltar a depender da sorte. Para isso, a única solução exige poupança, trabalho e criatividade, que nos integre mais fundo na comunidade europeia e mercado internacional. Todos sabemos como esses mecanismos são voláteis, incertos, turbulentos. Mas essa é a lei da vida e a única via para um progresso que, nunca sendo certo, se tem mostrado uma realidade em muitos dos nossos parceiros. Desde que aceitemos apostar na sorte dos movimentos históricos.

Olhando para a circunstância, o futuro parece sombrio e arriscado, mas foi sempre assim nos grandes momentos da nossa História. Apostar em ser uma democracia europeia em meados da década de 1970 era um projecto altamente incerto, precisamente na altura em que o choque do petróleo acabava com a era de ouro do crescimento mundial e a Guerra Fria entrava na sua época mais sombria. Foi precisamente essa dificuldade que galvanizou as forças nacionais, gerando o sucesso inicial da integração. A única forma de não cair na desgraça é aceitar a sorte e vencê-la com humildade, persistência e dinamismo.

Economista e professor universitário

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