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Carlos Ghosn: a legenda do gestor multinacional

Nestas crónicas temos seguido o princípio de só adoptar uma personalidade como tema principal nos casos do sua morte ou da atribuição do Nobel.

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O caso de hoje é uma excepção que me parece justificar-se pelo incompreensível desconhecimento da acção de Carlos Ghosn, agora em vias de se tornar evidente com a ameaça de alterações profundas na indústria automóvel mundial e em especial europeia.

A tentativa em curso de constituir uma aliança, de alcance e dimensão até agora nunca vistas, entre a General Motors, a Renault e a Nissan, levou finalmente para o palco mediático internacional um gestor, que, pelo menos desde o ano 2000, merece a atenção e o destaque dos estudiosos da gestão.

Qualquer que seja o resultado final da aproximação entre a GM a Renault e a Nissan; e o destino incerto da globalização dos mercados, Carlos Ghosn ficará na história da gesstão como a primeira grande legenda da gestão multinacional.

A própria origem de Ghosn é significativa. Nascido no Brasil, de pais libaneses cristãos maronitas, formado numa escola de elite francesa, fez um carreira de gestor; em vários países e continentes e em diversas multinacionais. Em particular, esteve 18 anos na Michelin, onde subiu rapidamente, mas onde a regra de reserva dos lugares de topo aos membros da família do accionista principal o levou a aceitar um convite para integrar a Renault. Aqui, em 1997, como número 2, salvou a empresa da ruína e lançou as bases para a aliança com a Nissan. Em 2000 já é presidente da Nissan, conservando a segunda posição na Renault. Em 2005, acumula a presidência dos dois fabricantes e já tinha cento na administração da Alcoa, da IBM e da Sony; recentemente abandonou estas duas últimas posições. É o mais «americano» dos gestores de cultura francesa e o primeiro presidente da Renault que não foi cozinhado no Eliseu.

Em Portugal, Ghosn tem passado quase despercebido. Apesar da intensa actividade da imprensa económica e da actividade editorial dedicada aos chamados gurus da gestão - de que são exemplos bem recentes Jack Welch e Charles Andy - com sucessivas traduções das obras que vão saindo; o Shift (3) de Ghosn, que data já de 2003, não foi notado. O gestor em si apesar da revolução e dos resultados que consegui na indústria automóvel também chamou pouco a atenção dos nossos distraídos media.;

Nunca até agora se levara tão longe a gestão multinacional dos negócios.

Em que é que consiste o método Ghosn ? As contribuições do gestor têm a ver com a concepção das aliança e com o método de redução dos custos.

Primeiro, manter as identidades; das empresas que compõem a aliança. A aliança deverá ser de largo alcance, implicando participações cruzadas e a liderança directa de Ghosn das administrações dos três fabricantes. Não se trata, portanto, de um controle hostil. A hostilidade, se assim se pode dizer, provém da gestão: é o gestor que assume o comando das; empresas aliadas.

Segundo, a constituição de equipas de gestão com diferentes culturas, origens e crenças.

Terceiro, a criação de equipas de transversais destinadas a efectuar trabalhos em conjunto e constituídas por membros de diferentes estatutos, idades e funções.

Quarto, a coragem de tomar medidas radicais ainda que contra a cultura instituída, aparentemente impossível de ultrapassar; foi o caso emblemático da destruição dos famoso sistema keyretsu que envolvia na Nissan 1.400 fornecedores e parceiros.

Quinto, a acentuação da necessidade de cortar custos - o que lhe valeu o ambíguo título de cost killer; - conseguindo levar a termo, num curto período, na Nissan um ambicioso programa de redução de 21.00 empregos e de encerramento de 5 fábricas.

A situação na GM está madura para esta «OPA gestionária» de Ghosn.

Os accionistas estão impacientes, sobretudo o mais activo e importante, Kirk Kertorian, que, detendo 9,9% das acções tem acento na administração e é o grande arauto da aliança sob a batuta de Ghosn de que é grande admirador.; Apesar dos esforços do actual Presidente, Rick Wagoner, apenas se reduziram os custos em 5,6 biliões de euros no último ano e meio. As acções da GM desceram 50% nos últimos 5 anos. Em 2005 a empresa teve um prejuízo de 10,6 biliões de dólares e perde quota de mercado nos EUA há 20 anos; a quota de mercado nos EUA passou de 44% em 1980 para 24,6% em 2006.. Enquanto a aliança Nissan-Renault é um sucesso as alianças tentadas pela GM sob a liderança de Wagoner; - quer com a Fiat, quer com a Uzuzu; a Suzuki ou a Subaru - fracassaram rotundamente.

O modelo que se desenha é a reprodução do que Ghosn desenhou e implementou no caso da aliança Renault-Nissan. A aliança permitirá reduzir os custos e consolidar a produção assegurando a liderança em todos os mercados a partir das posições actualmente ocupadas: na América do Norte com a GM e a Nissan, na Eurtopa com a GM e a Reanault, na China com a GM, na restante Ásia com a Nissan e na América do Sul com a GM.

A aliança que se desenham vai intensificar a concorrência sobretudo na Europa, ameaçando sobretudo a Volkswagen, líder com 19,5% do mercado. O novo agrupamento, mesmo sem contar com a dinâmica criada - que representa o principal factor a ter em conta - passaria a liderar o mercado europeu.;

O triunfo de Ghosn e a constituição da aliança GM-Renault-Nissan trará uma concorrência acrescida na Europa. Em particular será um factor adicional de pressão sobre a Volkswagen e a Autoeuropa.

Em Portugal, este último ponto deve ser cuidadosamente considerado, na medida em que à frente da Volkswagen está um outro cost killer, Wolfgang Bernhard, que aprendeu bem a lição de Ghosn na Nissan(4).

(1); Jack Welch, Vencer, Actual Editora, Lisboa, 2005.
(2) Charles Handy, O Meu Eu e Outros Temas Importantes, Actual Editora, Lisboa, 2006
(3); Carlos Ghosn and Philippe Riès, Shift:Inside Nissan’s Historic Revival, Doubleday, 2003.
(4) De acordo com o bem informado Wall Street, no passado mês de Junho Wolfgang Bernhard deu 4 semanas aos sindicatos para apresentarem propostas para redução em 800 euros na produção de cada; Golf. O argumento de pressão foi, presisamente, a deslocação da produção do Golf para Portugal.; Os; sindicatos cederam e aceitaram reduzir os salários em 20% mantendo as mesmas condições trabalho para; atingir o objectivo imposto.

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