Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
12 de Outubro de 2007 às 13:59

Caras, corações...

Não se lhe sabe o nome nem a nacionalidade. Sabe-se que anda pelo mundo, a abusar sexualmente de crianças – a mais nova delas, que se saiba, com seis anos. Fez-se fotografar, em acção, e pôs as fotografias na Internet, tendo antes o cuidado de desfigurar

  • ...

Especialistas conseguiram desfazer a deformação gráfica e a Interpol pôs no seu sítio na Internet a imagem do sujeito. Tenho-a aqui, aberta no mesmo ecrã em que vos escrevo, sorridente e normal.

E quanto mais olho – e é à procura de alguma deformação, já não gráfica, mas física mesmo, que olho – mais normal me parece aquela cara. E quanto mais normal, mais perturbadora.

Pouco aprendemos desde que aprendemos a ver, nos desenhos animados, os sinais externos de bondade e, mais gritantes ainda, os de maldade. Os bons podem não ser bonitos mas os maus são, necessariamente, horríveis. No fundo, somos todos lambrosianos – Cesare Lambroso (1836-1909), precursor da antropologia criminal, acreditava na tendência genética para o crime e julgou ter traçado perfis fisionómicos típicos de pessoas propensas ao crime (o que conseguiu foi desenhar uma horrenda galeria de candidatos a mauzões dos filmes do 007).

Não somos todos maus. Mas temos todos a hipótese de o ser. Não somos todos bons mas temos, todos os dias, montes de hipóteses de o ser. Não somos todos feios mas garanto-vos que haverá algum ângulo em que a Michelle Pfeiffer parecerá o demónio e o Valentim Loureiro, um anjinho. Nem menos. É tudo uma questão de fotógrafo. E olho para a fotografia do sujeito que a Interpol procura por abuso sexual de crianças e não vejo anjo nem demónio. O que vejo é uma cara normal. Estranho.

Não há nele nenhuma marca que o distinga ou denuncie. Nada que me faça apontar e dizer, “Pronto, cá está. Olhem-me para este queixo e digam lá se não se trata, evidentemente, de um pedófilo”. Não há sinais de nascença que identifiquem os pedófilos ou os criminosos de qualquer natureza pela simples razão de ninguém nascer pedófilo ou criminoso de qualquer natureza.

Sabemos muito pouco sobre a génese da pedofilia mas o dado mais perturbador do pouco que já se sabe é que os pedófilos terão sido, em regra, vítimas de pedófilos. E é com esses olhos que tento agora olhar para o sujeito procurado pela Interpol – vê-lo como vítima. É espantoso. É precisamente quando o vejo como vítima que noto, na fotografia que tenho aqui ao lado, indícios expressivos de uma certa loucura. Não me perguntem que indícios são esses porque não os saberia determinar, e admito tranquilamente que, se me mostrassem a fotografia de um homem perfeitamente normal e me apontassem “eis um pedófilo”, eu visse os mesmíssimos indícios. O facto é que quanto mais olho para a fotografia do pedófilo procurado pela Interpol mais me convenço de que as vertentes policial e criminal, embora fundamentais, são insuficientes para se lidar com a pedofilia. Trata-se de uma questão de saúde pública, que passa necessariamente pelo enfrentamento dos pedófilos, também, como vítimas – vítimas do mal horrível que propagam.

PS: O sítio da Interpol: www.interpol.int

PPS: Atenção, atenção! Daqui a muito pouco tempo, tão logo seja re-inaugurada a estrada que cortava e que volta a cortar o largo da Igreja de Oeiras, o referido largo, onde outrora brincavam crianças, será transformado em estacionamento municipal gratuito (fenómeno que, aliás, já se consolidou nos passeios ditos públicos do referido Concelho).

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio