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A nova campanha do BES com Ronaldo deitado num colchão atinge um alto nível de notoriedade e certamente recolhe a simpatia dos amantes do futebol e das apaixonadas do rapaz, mas... há ali qualquer coisa de errado.

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A favor: a presença de um dos mais admirados jogadores de futebol do mundo, não só em campo como fora dele, pela sua figura, pela simpatia e boa gestão de imagem. Ele é de tal maneira importante nesta campanha que tivemos direito a making off em vários media convidados a uma deslocação até Manchester. Ter contrato de publicidade com Ronaldo é meio caminho andado para o êxito de qualquer campanha e esta, completamente centrada na figura do jogador, aproveita ao máximo esse valor.

Mas a campanha não conseguiu percorrer a outra metade do caminho até à excelência. Tal deve-se a um erro de esquizofrenia que já detectei num anúncio do centro comercial Colombo na semana passada: as imagens (vídeo, foto) mostram uma coisa e o texto escrito ou dito revela uma realidade oposta. Não por se pretender ironia, mas porque não se trabalhou a mensagem a fundo. O anúncio do Colombo dizia que o centro comercial não vende super-heróis, mas a foto representava-o através de um super-herói. E os anúncios do BES?

As imagens mostram Ronaldo em cima de um colchão. Deitado. Ou a dar uns toques. Para quê? Para mostrar Ronaldo na cama, lugar que muitas mulheres (pelo menos) gostariam de partilhar; e para, de uma assentada, jogar com o velho conceito de pôr o dinheiro debaixo do colchão (não lhe chamo metáfora porque havia, e certamente ainda há, muita gente que põe o dinheiro debaixo do colchão pelo menos enquanto se deita). Ora logo aqui encontramos algum desacerto entre os destinatários duma mensagem visual centrada na juventude e a mensagem escrita, relativa a pessoas idosas ou afastadas da modernidade.

Mas se fosse só por isso ainda a campanha não ficava desequilibrada. O pior é que as imagens mostram o jogador parado e o texto diz que isso é mau: “O Ronaldo é como o dinheiro, parado não rende”. O observador entende a metáfora, bem simples, mas o seu subconsciente pode tirar conclusões como: a) dizem que ele parado não rende, mas mostram-no parado, é porque não gostam dele, é como se estivessem a dizer mal dele; b) se o Ronaldo parado não rende, deviam mostrá-lo a jogar, isto é, a render c) se dizem no texto que a solução é pôr o dinheiro a mexer porque mostram na TV Ronaldo a dar toques na bola de futebol em cima do colchão? Afinal está parado ou a mexer-se? Ou querem dizer a mexer-se sem ser em cima do colchão? d) E quando se mexe em cima do colchão, Ronaldo não rende? (Não é isso que dizem as revistas!)

Não há qualquer dúvida de que os anúncios são  atravessados por uma concepção extremamente positiva do colchão. Ronaldo está descansado, confiante, deitado no colchão - tão confiante que olha para nós através do olho da câmara transmitindo segurança, certeza e satisfação. Por que raio o dinheiro há-de estar melhor num banco do que debaixo de Ronaldo? Ou será que se pretendia a rebuscada leitura subconsciente de que mocinhas e velhinhas vão tirar o dinheiro debaixo do colchão para o pôr no BES, quer dizer, debaixo de Ronaldo?

Esta campanha permite ainda outras leituras oposicionistas, cínicas mas não menos verdadeiras: em qualquer pose fotográfica parado, Ronaldo nunca poderia render, mas é mesmo assim, completamente parado na foto e no colchão, que ele está a render ao BES; e é também assim, deitado num colchão durante muitas horas, como nos disseram as “notícias” do making off, que Ronaldo rendeu a si mesmo, pelos honorários a que tem direito. Para ele e para o banco, o colchão está farto de render. Na publicidade não basta ter Ronaldo, é preciso ter ideias assentes. Ideias paradas não rendem.

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