Opinião
Apanhar o Comboio
O comboio de alta velocidade em Portugal está de novo debaixo de fogo. A virulência da crise económica e o elevado investimento que lhe está associado fazem elevar as vozes dos que se lhe opõem. Um terceiro factor, mais insidioso, é o da queda abrupta do preço do petróleo, que nos faz lentamente regressar aos velhos hábitos de apostar no avião e no automóvel (de motor de combustão) como meios principais de mobilidade interurbana e transporte de mercadorias.
Considero que esta atitude corre o risco de nos fazer adiar, uma vez mais, uma decisão de importância estratégica que já devia ter sido tomada há muito. O TGV constitui a oportunidade de corrigir o erro centenário que consistiu na adopção de uma bitola ibérica diferente da europeia. Uma visão provinciana da vizinha Espanha e o receio da utilização militar do comboio como instrumento de uma possível invasão da Península condicionaram esta escolha. O incómodo de sucessivas gerações de passageiros do Sud Expresso que tinham de mudar de comboio em Handaia representa apenas uma fracção do custo suportado por Portugal e Espanha na ligação aos nossos principais parceiros comerciais. A emergência avassaladora do camião TIR e até do avião como instrumentos privilegiados do transporte de mercadorias são consequência directa de um modelo que penalizou excessivamente o comboio e limitou a sua eficiência.
Neste campo encontramos um claro paralelismo com a economia americana: apesar da eficiência com que os caminhos-de-ferro locais são geridos, os baixos impostos sobre os combustíveis fósseis favoreceram o transporte rodoviário de mercadorias e passageiros e o avião. A indústria automóvel local, um dos lobbys mais agressivos contra o investimento público na infra-estrutura ferroviária, está hoje à beira da implosão total, por ter perdido o comboio da inovação e da eficiência energética. Estudos recentes apontam para o risco de falência imediata da General Motors e da Chrysler e para uma situação crítica da Ford. No entanto, os americanos são capazes de aprender com os seus erros – os fabricantes de automóveis são agora os principais arautos do automóvel eléctrico; quanto aos comboios, o mesmo país que chumbou a ligação em alta velocidade entre Dallas e Houston, já nos anos 80, e ameaçou o governador do Texas da altura de processos judiciais até ao fim dos seus dias se investisse dinheiros públicos no projecto, considera agora o comboio de alta velocidade, mesmo com tecnologia importada, como um dos principais instrumentos das obras públicas desenhadas como instrumento de saída da crise actual. A ligação entre Los Angeles e S. Francisco é um dos exemplos mais emblemáticos. Também a Inglaterra, que se atrasou progressivamente em relação à Europa continental, está agora a anunciar novas ligações em alta velocidade.
Nas últimas décadas, os erros mais graves do planeamento da rede nacional de transportes consistiram na renovação da congestionadíssima linha do Norte, em vez da construção de uma linha paralela, e na ausência de ligação ferroviária na Ponte Vasco da Gama. A ligação a Madrid em TGV, que esteve quase a materializar-se, foi então condenada pela canalização de apoios comunitários para a expansão exclusiva da rede viária. A conclusão da A1 antes da renovação da linha do Norte agravou o declínio relativo do comboio como meio de transporte interurbano. Num país em que gerações sucessivas foram obrigadas a estudar as estações e apeadeiros das linhas de caminho-de-ferro, passaram a ser distribuídos mapas que nem sequer mencionam o seu traçado.
O custo da infra-estrutura é indiscutivelmente elevado, mas os retornos são igualmente muito elevados. Quando foi feita a primeira ligação da Alta Velocidade Espanhola, entre Madrid e Sevilha, muitos acharam que a escolha se deveu ao facto de esta ser a cidade natal do primeiro-ministro espanhol da época e vaticinaram resultados económicos desastrosos. Pelo contrário, o tráfego excedeu todas as expectativas e a viabilidade económica do novo corredor foi mesmo decisiva para a recuperação financeira dos défices crónicos da RENFE espanhola.
A ligação em TGV entre Lisboa e Madrid não vai apenas canalizar para o comboio a maioria dos passageiros que actualmente utilizam o avião. Vai também retirar milhares de automóveis das estradas e reforçar decisivamente a nossa ligação à Europa, romper isolamentos e permitir o crescimento da actividade económica. A economia em emissões de dióxido de carbono, ignorada na maioria das avaliações, é um factor adicional a reforçar o imperativo desta decisão. A ligação Lisboa – Porto – Galiza, constitui um outro corredor de imensa utilidade, embora possa ser instalada com algum diferimento. A haver adiamento nas grandes obras projectadas, penso que o aeroporto de Alcochete seria um alvo bem mais natural do que o comboio de alta velocidade.
No início do Século XX, um engenheiro inglês considerou que a rede de caminhos-de-ferro só atingiria a sua maturidade quando fosse possível fazer a ligação Lisboa – Moscovo sem mudar de comboio. A rede de alta velocidade, em bitola europeia, constitui uma oportunidade histórica de realização desse sonho. Se for realizada já, contará com o apoio europeu.
Neste campo encontramos um claro paralelismo com a economia americana: apesar da eficiência com que os caminhos-de-ferro locais são geridos, os baixos impostos sobre os combustíveis fósseis favoreceram o transporte rodoviário de mercadorias e passageiros e o avião. A indústria automóvel local, um dos lobbys mais agressivos contra o investimento público na infra-estrutura ferroviária, está hoje à beira da implosão total, por ter perdido o comboio da inovação e da eficiência energética. Estudos recentes apontam para o risco de falência imediata da General Motors e da Chrysler e para uma situação crítica da Ford. No entanto, os americanos são capazes de aprender com os seus erros – os fabricantes de automóveis são agora os principais arautos do automóvel eléctrico; quanto aos comboios, o mesmo país que chumbou a ligação em alta velocidade entre Dallas e Houston, já nos anos 80, e ameaçou o governador do Texas da altura de processos judiciais até ao fim dos seus dias se investisse dinheiros públicos no projecto, considera agora o comboio de alta velocidade, mesmo com tecnologia importada, como um dos principais instrumentos das obras públicas desenhadas como instrumento de saída da crise actual. A ligação entre Los Angeles e S. Francisco é um dos exemplos mais emblemáticos. Também a Inglaterra, que se atrasou progressivamente em relação à Europa continental, está agora a anunciar novas ligações em alta velocidade.
O custo da infra-estrutura é indiscutivelmente elevado, mas os retornos são igualmente muito elevados. Quando foi feita a primeira ligação da Alta Velocidade Espanhola, entre Madrid e Sevilha, muitos acharam que a escolha se deveu ao facto de esta ser a cidade natal do primeiro-ministro espanhol da época e vaticinaram resultados económicos desastrosos. Pelo contrário, o tráfego excedeu todas as expectativas e a viabilidade económica do novo corredor foi mesmo decisiva para a recuperação financeira dos défices crónicos da RENFE espanhola.
A ligação em TGV entre Lisboa e Madrid não vai apenas canalizar para o comboio a maioria dos passageiros que actualmente utilizam o avião. Vai também retirar milhares de automóveis das estradas e reforçar decisivamente a nossa ligação à Europa, romper isolamentos e permitir o crescimento da actividade económica. A economia em emissões de dióxido de carbono, ignorada na maioria das avaliações, é um factor adicional a reforçar o imperativo desta decisão. A ligação Lisboa – Porto – Galiza, constitui um outro corredor de imensa utilidade, embora possa ser instalada com algum diferimento. A haver adiamento nas grandes obras projectadas, penso que o aeroporto de Alcochete seria um alvo bem mais natural do que o comboio de alta velocidade.
No início do Século XX, um engenheiro inglês considerou que a rede de caminhos-de-ferro só atingiria a sua maturidade quando fosse possível fazer a ligação Lisboa – Moscovo sem mudar de comboio. A rede de alta velocidade, em bitola europeia, constitui uma oportunidade histórica de realização desse sonho. Se for realizada já, contará com o apoio europeu.
Mais artigos do Autor
Ensino superior - um setor decisivo
10.04.2019
O fim do dinheiro
12.03.2019
Inteligência Artificial
12.02.2019
O futuro do sistema financeiro
08.01.2019
Impostos populares
11.12.2018
O futuro das escolas de gestão
13.11.2018