Opinião
Angola já é um modelo de sucesso
Não acho que o presidente de um país emergente e cuja unidade se lhe deve, como é Angola, tenha menos legitimidade que os nossos reis. Escolheu como é óbvio, pessoas que conhece e em quem confia: os seus generais, que ganharam uma guerra, os dirigentes mais próximos, digamos, a sua corte.
Falei uma única vez com José Eduardo dos Santos. Em 1992, talvez 1993. Acompanhado por um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, já falecido, e pelo presidente da SPE, sócia da estatal angolana Endiama na Sociedade Mineira do Lucapa.
À época, a guerra interna motivada pela sublevação da UNITA era o problema realmente importante de Angola e a nossa visita ao Futungo de Belas constituía muito mais uma cortesia do que o interesse em discutir, ao seu nível, o relacionamento com a subsidiária do IPE que operava no País.
Mas, curiosamente, ao ser-lhe descrita a natureza do IPE de que eu era presidente na altura, "holding" de participações do Estado com a missão de coordenar a sua gestão, mostrou súbito interesse. E, quando o referido ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, conhecedor do IPE, lhe sugeriu que poderia tirar partido da nossa experiência em termos de apoio a uma instituição análoga em Angola, evidenciou abertura. A entrevista alongou-se.
A ideia seria concentrar e gerir os empreendimentos que, terminada a guerra, haveria que criar, seguramente por iniciativa estatal, dada a inexistência de núcleos locais significativos com vocação empresarial. Claro que ofereci, por parte do IPE, toda a colaboração que ele entendesse necessária.
Nem poderia ser outra a minha reacção. Independentemente de, a meu critério, cometer ao Estado o esforço do desenvolvimento económico incluindo a criação de estruturas produtivas, o controlo da sua gestão, etc, ser uma solução ineficiente. Viu-se em todos os países que tentaram a direcção central da economia. Matéria sobre a qual, nas circunstâncias, não me competia, evidentemente, opinar.
Mas não posso deixar de confessar a minha admiração, ainda hoje quando recordo este encontro, pelo político capaz de pensar nas tarefas do futuro e ponderar soluções, mesmo quando está vivendo uma emergência nacional gravíssima do tamanho de uma guerra interna que ainda levaria anos a ser resolvida.
Felizmente para Angola, o modelo de desenvolvimento adoptado, após a pacificação militar e política, foi outro. Radicalmente diferente. O presidente teve a coragem de assumir a enorme responsabilidade de descentralizar a gestão de uma boa parte dos recursos angolanos que poderiam servir ao objectivo do desenvolvimento, fazendo pessoalmente a escolha de a quem os confiar. Criou assim núcleos de poder económico com a capacidade de terem vida e motivação próprias e vocação para crescerem.
Não é uma solução original: os nossos reis e os dos outros países distribuíram abundantemente recursos (na era pré-industrial eram naturalmente terras e concessões) por pessoas de sua escolha e confiança com o objectivo de que fossem explorados e crescessem, no interesse dos beneficiários. Dessa distribuição resultou uma estrutura patrimonial e de rendimentos que possibilitou a evolução e da qual ainda hoje se encontram traços.
Não acho que o presidente de um país emergente e cuja unidade se lhe deve, como é Angola, tenha menos legitimidade. Escolheu como é óbvio, pessoas que conhece e em quem confia: os seus generais que ganharam uma guerra, os dirigentes mais próximos, digamos a sua corte. Tal como nas europeias, nem faltaram princesas, cujo talento não tem desmerecido a confiança posta.
Excluído inteligentemente que Angola seguisse o caminho de uma economia de direcção central, a alternativa que também afastou foi a de consentir, como motor de crescimento, na entrada em força de estrangeiros que aproveitariam as oportunidades de um país novo e dotado de recursos naturais. Seria uma nova colonização pela via da exclusão dos locais – que os portugueses, perversamente, tinham deixado sem qualquer preparação(1) - da direcção concreta dos empreendimentos. Com a criação de núcleos com certo poder económico, criou-se a possibilidade de sem excluir tudo o que outros podem trazer ao país, negociar e garantir o controlo local possível.
O julgamento das decisões tomadas tem de ser feito pelos resultados a prazo, os que contam para a História. É a História que se está construindo. Primeiro, em termos macro – são os índices de crescimento económico. Deste ponto de vista, Angola vai muito bem. Mais tarde, atingido certo nível, há que avaliar, pelos critérios locais, a disseminação de melhorias a toda a população. É ainda cedo.
Naturalmente que alguns recursos, pela sua dimensão e valor estratégico, ficaram no controlo do governo – é o caso da Sonangol. Será também o da exploração das bauxites a norte que, se se fizer, pela dependência da energia, envolverá a construção de uma megabarragem binacional no Zaire. Lembro ainda uma região maior do que a Califórnia, com óptimas condições edafoclimáticas (compreende o colonato da Cela) para ser reconvertida à agricultura moderna altamente produtiva, um futuro pólo de crescimento e transformação social. Também carecerá de intervenção do Estado. E haverá outros projectos de dimensão fora da medida dos grupos privados. Mas só esses.
(1). Até a ideia de uma universidade em Luanda, acarinhada pelo Prof. Adriano Moreira quando ministro do Ultramar, foi travada em Lisboa pelo presidente do Conselho logo que dela tomou conhecimento.
*Economista, ex-presidente do IPE
À época, a guerra interna motivada pela sublevação da UNITA era o problema realmente importante de Angola e a nossa visita ao Futungo de Belas constituía muito mais uma cortesia do que o interesse em discutir, ao seu nível, o relacionamento com a subsidiária do IPE que operava no País.
A ideia seria concentrar e gerir os empreendimentos que, terminada a guerra, haveria que criar, seguramente por iniciativa estatal, dada a inexistência de núcleos locais significativos com vocação empresarial. Claro que ofereci, por parte do IPE, toda a colaboração que ele entendesse necessária.
Nem poderia ser outra a minha reacção. Independentemente de, a meu critério, cometer ao Estado o esforço do desenvolvimento económico incluindo a criação de estruturas produtivas, o controlo da sua gestão, etc, ser uma solução ineficiente. Viu-se em todos os países que tentaram a direcção central da economia. Matéria sobre a qual, nas circunstâncias, não me competia, evidentemente, opinar.
Mas não posso deixar de confessar a minha admiração, ainda hoje quando recordo este encontro, pelo político capaz de pensar nas tarefas do futuro e ponderar soluções, mesmo quando está vivendo uma emergência nacional gravíssima do tamanho de uma guerra interna que ainda levaria anos a ser resolvida.
Felizmente para Angola, o modelo de desenvolvimento adoptado, após a pacificação militar e política, foi outro. Radicalmente diferente. O presidente teve a coragem de assumir a enorme responsabilidade de descentralizar a gestão de uma boa parte dos recursos angolanos que poderiam servir ao objectivo do desenvolvimento, fazendo pessoalmente a escolha de a quem os confiar. Criou assim núcleos de poder económico com a capacidade de terem vida e motivação próprias e vocação para crescerem.
Não é uma solução original: os nossos reis e os dos outros países distribuíram abundantemente recursos (na era pré-industrial eram naturalmente terras e concessões) por pessoas de sua escolha e confiança com o objectivo de que fossem explorados e crescessem, no interesse dos beneficiários. Dessa distribuição resultou uma estrutura patrimonial e de rendimentos que possibilitou a evolução e da qual ainda hoje se encontram traços.
Não acho que o presidente de um país emergente e cuja unidade se lhe deve, como é Angola, tenha menos legitimidade. Escolheu como é óbvio, pessoas que conhece e em quem confia: os seus generais que ganharam uma guerra, os dirigentes mais próximos, digamos a sua corte. Tal como nas europeias, nem faltaram princesas, cujo talento não tem desmerecido a confiança posta.
Excluído inteligentemente que Angola seguisse o caminho de uma economia de direcção central, a alternativa que também afastou foi a de consentir, como motor de crescimento, na entrada em força de estrangeiros que aproveitariam as oportunidades de um país novo e dotado de recursos naturais. Seria uma nova colonização pela via da exclusão dos locais – que os portugueses, perversamente, tinham deixado sem qualquer preparação(1) - da direcção concreta dos empreendimentos. Com a criação de núcleos com certo poder económico, criou-se a possibilidade de sem excluir tudo o que outros podem trazer ao país, negociar e garantir o controlo local possível.
O julgamento das decisões tomadas tem de ser feito pelos resultados a prazo, os que contam para a História. É a História que se está construindo. Primeiro, em termos macro – são os índices de crescimento económico. Deste ponto de vista, Angola vai muito bem. Mais tarde, atingido certo nível, há que avaliar, pelos critérios locais, a disseminação de melhorias a toda a população. É ainda cedo.
Naturalmente que alguns recursos, pela sua dimensão e valor estratégico, ficaram no controlo do governo – é o caso da Sonangol. Será também o da exploração das bauxites a norte que, se se fizer, pela dependência da energia, envolverá a construção de uma megabarragem binacional no Zaire. Lembro ainda uma região maior do que a Califórnia, com óptimas condições edafoclimáticas (compreende o colonato da Cela) para ser reconvertida à agricultura moderna altamente produtiva, um futuro pólo de crescimento e transformação social. Também carecerá de intervenção do Estado. E haverá outros projectos de dimensão fora da medida dos grupos privados. Mas só esses.
(1). Até a ideia de uma universidade em Luanda, acarinhada pelo Prof. Adriano Moreira quando ministro do Ultramar, foi travada em Lisboa pelo presidente do Conselho logo que dela tomou conhecimento.
*Economista, ex-presidente do IPE
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