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19 de Dezembro de 2005 às 13:59

A situação económica e social angolana: algumas notas

Escrevo estas notas na sequência de duas missões em Angola, mais concretamente no Lubango - antiga Sá da Bandeira - e em Benguela, no âmbito de um projecto de apoio ao desenvolvimento do ensino superior nas respectivas províncias, liderado pela Universida

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Trata-se de um projecto ambicioso, que prevê o apoio científico, pedagógico, organizacional e de gestão aos Centros Universitários da Huíla e de Benguela, e aos seus diferentes Núcleos de ensino, no sentido da sua transformação, em prazos adequados, em Universidades, recuperando um processo de autonomia que havia sido interrompido com a independência e a guerra civil e com a centralização subsequente de todas as actividades universitárias sobre a égide da Universidade Agostinho Neto em Luanda.

O tema de reflexão, no entanto - embora tal se justificasse, tendo em conta a imensidade e a complexidade dos desafios em presença - não é, directamente, o projecto que determinou as missões de cooperação universitária, mas o ambiente económico e social mais geral que se vive em Angola e o modo como ele poderá evoluir, e que, em última análise, poderá justificar ou negar as prioridades definidas em matéria de ensino e formação, particularmente as que dizem respeito às áreas de economia e gestão em que as missões se enquadraram. Por razões de simplicidade de análise e de facilidade de exposição seguiremos como referência a metodologia SWOT: pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e ameaças. Como é compreensível, consideraremos estes aspectos numa dimensão fundamental.

Comecemos, então, pelos pontos fortes.

Uma das principais vantagens que a realidade económica, social e política Angolana comporta, e que a distingue de outras realidades africanas, é, sem dúvida, a existência de uma forte identidade nacional, construída, paradoxalmente ou talvez não, na base de dois grandes fenómenos traumáticos: a colonização e a guerra civil. Neste último caso não deixa de ser interessante referir a experiência particular de um motorista que me acompanhou e que nos dez anos que passou na vida militar, como condutor de tanque, só se entendia no campo de batalha com os outros tripulantes, de diversas origens tribais, em português. A guerra civil angolana, provavelmente, terá feito mais - e mais depressa - para a expansão do português como língua nacional do que cinco séculos de presença portuguesa.

Uma segunda característica importante da realidade angolana é a existência de uma população relativamente consciente dos problemas actuais e das suas origens, e completamente aberta a todas as experiências que apontem para uma melhoria das suas condições de existência. É de realçar, a este respeito, a atitude cooperante e a hospitalidade que manifestam em relação a todos os estrangeiros, com especial destaque, para os portugueses, e a avidez que revelam por conhecimento e por iniciativas de cooperação académica, técnica e económica.

Uma terceira característica positiva é a existência de uma elite relativamente numerosa, cosmopolita e com uma vasta experiência de lidar com situações complexas, quando não extremas. É uma elite, ainda, que, não obstante a diversidade das origens étnicas ou tribais, assimilou, dominantemente, o sentimento de pertença nacional e que se pauta por  valores e padrões de relacionamento de matriz europeia e ocidental.

Mas, o reverso da medalha também tem de ser considerado.

A primeira grande debilidade tem a ver, precisamente, com a identidade nacional, e reside no facto de, até agora, ela não ter sido consolidada na base de factores positivos de afirmação colectiva, em particular através da definição e execução de um projecto integrador de desenvolvimento económico e social e da adopção de um modelo próprio, enquanto país, de inserção regional e internacional. Para esta debilidade tem contribuído, decisivamente, a inexistência, até agora, de um sistema político, institucional e administrativo verdadeiramente democrático e integrador da multiplicidade de interesses e de opções de desenvolvimento.

A segunda grande debilidade diz respeito, também, à população, e manifesta-se numa deficiência generalizada de formação para as actividades económicas mais elementares e numa postura dominante pouco activa, orientada por esquemas de sobrevivência de curto prazo e pouco sensível às necessidades de trabalho persistente e de qualidade.

A terceira grande debilidade reside, de modo idêntico, nas elites e tem a ver com a sua extrema hierarquização, com a dependência de fidelidades políticas e do orçamento de Estado em que vive, com a mentalidade conservadora de que enferma e com a atitude corporativa como se comporta e como defende os privilégios de que dispõe.

Passando ao plano das oportunidades que a situação actual oferece, salientaríamos o potencial elevado que está associado a três apostas fundamentais.

A primeira grande oportunidade reside na reabilitação e modernização das infra-estruturas económicas e sociais, com destaque para o sistema de transportes e comunicações, e no relançamento do processo de integração espacial, económica e política nacional, interrompido na sequência da independência e da guerra civil. Neste particular aspecto deve salientar-se a imperiosa necessidade de se proceder rapidamente a uma integração de Angola no sistema internacional de novas tecnologias da informação, em especial no que diz respeito à Internet.

A segunda, reside no desenvolvimento e extensão do sistema de ensino e de formação, dando-se prioridade à  aquisição de competências profissionais directas e ajustadas às opções de desenvolvimento do país.

A terceira grande oportunidade reside no desenvolvimento do sistema político e institucional do país e na reestruturação do sistema de administração pública, num sentido efectivamente democrático, estimulando-se, ao mesmo tempo, a afirmação da gestão técnica em detrimento da gestão política convencional.

Finalmente, falemos dos riscos que a situação actual angolana comporta.

O primeiro tem a ver com o facto de, desaparecidos os bodes expiatórios da colonização e da guerra, não se terem afirmado ainda, com força suficiente, factores novos e positivos de mobilização social e política em torno de um projecto de integração nacional e de um modelo de desenvolvimento económico e social.

Em segundo lugar, existe o perigo real de o processo de recuperação de estruturas económicas e de lançamento de novas actividades se revelar quantitativa e qualitativamente desajustado das dinâmicas demográficas recentes, com a consequente produção de graves tensões sociais e políticas de diversa natureza, comprometendo o normal desenvolvimento do processo de reconstrução económica.

Por último, não é de excluir que se venham a gerar conflitos no seio das elites em resultado do desenvolvimento do processo de democratização política, da inevitável substituição  de cargos e de posições de privilégio e da progressiva subalternização dos factores políticos aos factores técnicos, na selecção e hierarquização dos dirigentes e dos quadros da administração pública, dos diversos sectores económicos e das empresas.

Potenciar os pontos fortes e reduzir os efeitos das fragilidades enunciadas é o desafio maior que se coloca aos angolanos, no sentido de aproveitarem as oportunidades de desenvolvimento e de melhoria das condições de vida que a situação actual oferece. Como é óbvio, o percurso não é fácil nem linear e requer o empenho de todos de acordo com as suas responsabilidades e competências específicas. Em particular, e no que respeita ao Estado e aos agentes económicos privados, uma divisão de tarefas é aconselhável na fase actual. Ao primeiro deve caber um papel fundamental na reabilitação e modernização das infra-estruturas físicas e humanas e na criação de um ambiente macroeconómico e legislativo incentivador da iniciativa económica e empresarial. Aos segundos deve caber o papel de motor do desenvolvimento económico e social.

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